Os
Gritos da Falta
Aldrin
Iglesias
pequenas
palavras, Amilcar
Almeida, 2021.
(Páginas
Editora, Belo Horizonte, 2021, primeira
edição, edição e revisão: Cláudia
Rezende; e projeto
gráfico completo e belo:
Deborah C. G. Rodrigues.)
[
Na parte dos créditos vemos
dois endereços: www.paginaseditora.com.br
e contato@paginaseditora.com.br .]
Estamos
de volta aos livros e a cada universo que deles posso saborear a
cada leitura. Depois
de quase três meses de bloqueio violento para
ler e escrever.
Para
o desejo insaciável de comprar mais livros
do que posso ler, a vergonha
na cara e o amadurecimento evidentemente não foram
suficientes. Mas um truque bobo de psicologia elementar foi a gotinha
que me faltava.
Simplesmente fiz uma lista
grande de livros para ler em sequência e os tirei de minha estante
na biblioteca comunitária e os coloquei juntos
em meu quarto, no armário trauma de minha mãe. Ali,
aqui, bem à minha vista sempre.
Isso acalma minha fome, desejo
de segurança que a
acumulação de objetos parece proporcionar,
vaidade intelectual e outros caprichos meus.
Umas
notinhas explicativas: os meus livros estão todos na biblioteca
comunitária, longe de mim. Meu quarto não é bem o meu quarto,
assim como esta casa. Enfim, não vou dar detalhes de minha condição
e de minha família. O
armário trauma de minha mãe é um armário de madeira magro e velho
que minha mãe colocou em meu quarto, depois de tirar o armário de
metal normal que eu tinha colocado e organizado. O “trauma” é
por causa da história que minha mãe quis me contar sobre o armário.
Parece que quando criança minha mãe estava colocando as suas coisas
neste
armário, enquanto suas irmãs jogavam suas coisas na cabeça de
minha mãe e riam e riam dela. Por quê minha mãe quis me contar
isso? Por quê minha mãe quis ficar com esse armário que
traz a ela essas lembranças
dolorosas e cujo desenho
baixo das estantes e a idade impede que o armário seja minimamente
útil? Questões inúteis.
Mas eu consegui colocar os livros para ler deitados nas estantes
baixas e a visão constante deles me deixa estimulado. Então vamos
lá.
É
um livro de poemas de meu tio paterno Amilcar
Almeida.
Dos irmãos do meu pai ele é o mais doce. Quando
eu era criança e minha família ainda morava no barracão atrás da
casa de meus avós paternos e a casa de meus avós paternos ainda não
tinha sofrido as suas duas
reformas; eu via sempre sempre
uma fotografia de meu tio com mochila acompanhado de uma estrada
longa e vazia. Igual a capa do livro do Bill
Gates A Estrada
do Futuro (1995). É que uma vez
meu tio pegou uma mochila e viajou por aí. Mas não lembro de uma
vez eu ter conversado com ele sobre isso. A
fotografia ficava pendurado
acima do telefone antigo de discar. Deixe eu olhar na internet,
espere um pouco… Ah, achei, acho que era esse mesmo: um telefone
Ericsson antigo analógico.
Você girava uma vez a cada número.
Caramba, estou ficando velho!
Meu
tio ainda não é um escritor famoso, então é tudo ali é humilde.
Páginas Editora. Gostei do símbolo da editora: um casal com raízes
saindo da cabeça. O homem é
mais alto e usa um chapéu. Sei que é um homem e uma mulher por
causa do desenho dos quadris.
Eu gostei da capa. Ela é toda branca e lisa, mas há uma sugestão
sofisticada de textura. Belo o trabalho gráfico da Deborah
C. G. Rodrigues. O
livro é fininho. Não é de
capa dura, é de goma arábica acho. O papel de capa e do miolo
ficaram perfeitos (papel-cartão supremo 250 gramas e papel pólen
soft 80 gramas, respectivamente).
É
um livro de poesia. Como se não bastasse ser de um parente, o livro
é de poesia. Eu leio muito,
desde de criança; mas principalmente prosa. Poesia… Poesia…
Poesia é complicado porque é delicado. Parece que a ligação
você-quem-escreveu o texto é mais rápido e íntimo. É frágil.
Parece que quem escreveu a poesia é muito frágil porque se expõe
demais. Mesmo quando a poesia é agressiva, ode, épica, política,
fala sobre morte ou doença; parece que a poetiza ou o poeta estão
pelados.
E pelados
só para você. Aí como é que você reage? Na maioria das vezes é
mesmo um silêncio diplomático. E como se fosse pouco isso,
a poetiza e o poeta estão
pelado e falando outra língua! Não é simples entender poesia.
Principalmente poesia moderna
que frequentemente possui
uma concisão as vezes excessiva. Além
da fragilidade ainda tem isso. E se a gente interpretar o poema de
maneira burra? Eu não quero poetizas
e poetas pelados e
bravos correndo atrás de
mim.
Há
texto de apresentação do autor e do livro. É de autoria de uma tia
paterna.
Poemas
que falam sobre solidão e falta. Muita solidão e falta. Muita
solidão e falta. Muita solidão e falta. Muita solidão e falta.
Difícil imaginar que um apartamento pequeno caiba tanta solidão e
falta. E os lugares e objetos, banheiro e liquidificador por exemplo,
parecem ecos dessa falta e solidão. Aqui e ali parece haver algum
sinal de esperança; mas… Mas
não há esperanças. Mas não há esperanças. Mas não há
esperanças. Mas não há esperanças para tantos desejos e faltas em
um dia e em um
apartamento tão pequenos. É
circular e angustiante. Eu sinto falta de ar enquanto concluo que a
trilha sonora aqui deveria ser “I want you (she´s so
heavy)”; composição de
Lennon e
McCartney. Termino a
leitura rápido, antes que os espelhos e seus ecos cheguem para me
morder e me culpar durante a leitura.