“A
Causa Secreta” (Várias
Histórias, 1896)
Um
preâmbulo.
"Entre
eles, o da agressividade que se dirige para fora, que depois viria a
se chamar "sadismo", e o daquela que se volta para dentro,
agora denominada “masoquismo”. (Na mesma época em que Nietzsche
escrevia, um outro precursor de Freud, Machado de Assis,
publicou o conto “A causa secreta”, talvez o melhor estudo sobre
o sadismo que há na literatura mundial.)".
[Professor
Paulo César de Souza no posfácio para a sua tradução
escrupulosa de “Genealogia
da Moral – Uma Polêmica”,
de Friedrich Nietzsche
(Editora
Companhia das Letras, 2008, São Paulo, São Paulo).
Ainda não li este livro do meu Frederico, o Profeta
Bigodudo.
Mas
assim como alguns dos
outros livros de Nietzsche
da Editora Companhia das Letras
eu li os posfácios do professor
Paulo, além de saborear
algumas de suas notas
de fim de capítulo. Adoro notas de rodapé e notas de fim de
capítulo.]
Na
antologia que montei de contos do Machado
de Assis que
eu leria e
aqui faria comentários,
fiz questão de colocar “A Causa Secreta”
justamente por causa do trecho acima. Valeu a pena? Ah…
Antes
de mais nada o óbvio:
levanta a mão aí do outro lado do monitor quem não acreditou que o
Fortunato não sabia da doença da Maria Luísa? Pedindo ajuda à
sabedoria de psicólogos e psicanalistas: como Fortunato podia ser
tão trabalhador e abnegado ao
mesmo tempo que…?
E o Garcia? Quem acredita que
ele era tão inocente e passivo a respeito de todo o drama que
acontecia?
Sadismo.
Hum… Antes da chegada da dominatrix, das cordas, botas
pontiagudas, cremes quentes,
e algemas e gemidos que não importa mais se são
de prazer ou dor; vamos
começar formalmente: pedindo ajuda ao dicionário: sentir prazer ao
causar dor ao parceiro, sentir prazer diante do sofrimento do outro.
Hum… Hum… Mas já? Já vão abandonar meu blog para lerem vocês
mesmos a “Causa Secreta”?
Mas já? Danadinhos, danadinhos… Fiquem só mais um pouco, por
favor! Prometo que eu vou
ser breve. Prometo que vai ser gostoso. Vai doer e
vai ser gostoso.
E
nojento também. Ah,
a natureza humana, a natureza humana… Porque
na cultura pop eu detectei algumas
causas secretas.
Por
quê o personagem óleo negro infectante era tão popular na série
“Arquivo-X” (The X-Files, Gilliam Anderson,
David Duchovny, Chris Carter, 1993-2018 e etc.)? Óleo
negro infectante entrando pelos olhos, ouvidos, nariz, entrando pela
boca… E todo mundo assistindo, sem desgrudar os olhos da
televisão...
Qual
é o segredo da popularidade do FaceHugger, da série de filmes
“Alien”?
Qual
é a cena mais famosa do filme “[REC]” (“[REC]”,
Manuela Velasco, 2007, Jaume Balagueró, Paco Plaza,
Luiso Berdejo e etc.)? Essa mesma: a do beijo com o verme.
Agora: por quê? E no filme “[REC] 4 Apocalipse” (“[REC]
4 Apocalipsis, Manuela Velasco, 2014, Jaume Balagueró,
Manu Díaz, etc.) também temos um outro beijo com verme. Por
quê? Por quê?
No
filme “Alien vs. Predador 2” (“Aliens vs Predator –
Requiem”, Victoria Bidewell, 2007, Colin Strause,
Greg Strause, Shane Salerno, Dan O'Bannon,
Ronald Shusett, Jim Thomas, John Thomas e etc.),
qual é a cena mais popular? Até eu tenho vergonha de dizer qual é,
mas dei uma pista ao escrever os créditos. Por quê é assim?
E
no filme “A Morte do Demônio” (“Evil Dead”, Jane
Levy, 2013, Fede Alvarez, Rodo Sayagues, Sam
Raimi e etc.), qual é a cena mais famosa? Haja tomate e
liquidificador! Imagino a coitada da atriz que ficava do lado debaixo
durante os ensaios para a cena.
Daniel
Defoe e o seu livro “Um Diário do Ano da Peste”
(1722). Há ali o trecho sobre o beijo da morte. Não é o trecho
mais inesquecível do livro? Por quê?
Ah,
claro. Sem mencionar como as pessoas viram zumbis nos filmes de
zumbis. Sem mencionar também os parasitas nos videogames. E já que
falamos em “beijo da morte”, o que não falta em alguns
videogames são beijos mortais, beijos que retiram a força vital dos
personagens. E os vampiros! Como posso ter esquecido dos vampiros
nesta lista aqui? É sadismo ou poder? Sadismo é política sem terno
e gravata, assim como dizem que “a guerra é o capitalismo sem
luvas”?
“Verdade
é que Fortunato não curou de mais nada, nem então, nem depois.
Aberta a casa, foi ele o próprio administrador e chefe de
enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo, compras e caldos, drogas
e contas. Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da
Rua D. Manoel não era um caso fortuito, mas assentava na própria
natureza deste homem. Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não
recuava diante de nada, não conhecia moléstia aflitiva ou
repelente, e estava sempre pronto para tudo, a qualquer hora do dia
ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia. Fortunato estudava,
acompanhava as operações, e nenhum outro curava os cáusticos.
— Tenho
muita fé nos cáusticos, dizia ele.”
Acho
bom esclarecer que eu não gosto e não assisto a filmes de terror,
deixei de assistir à série “Arquivo-X” (The X-Files,
Gilliam Anderson, David Duchovny, Chris Carter,
1993-2018 e etc.) muitos anos antes do personagem óleo negro
infectante aparecer e eu nunca em minha vida fui íntimo de
videogames. E não fiz uma pesquisa específica para este texto. Onde
então eu consegui os exemplos citados? É suficiente para você
dizer que eu gosto do site YouTube? É verdade e como diz a sabedoria
popular: quem se explica demais se complica. Eu gosto do YouTube e
pronto e ficamos por aqui. A culpa, portanto, Freud e Sade,
é do algoritimo do YouTube. Ah, os algoritmos de internet...
Vai
estragar o clima do final do texto, mas não importa. É um dos meus
filmes favoritos, top 10 de todos os tempos e merece este meu
sacrifício. Aliás, sinto prazer em fazer este sacrifício…
Mencionei que é estranho que Fortunato seja um médico tão dedicado
e corajoso apesar de… Bom, no filme “O Cubo” (“Cube”,
Nicole de Boer, 1997, Vincenzo Natali, André
Bijelic, Graeme Manson e etc.), temos uma personagem que
também é médica (se não me falha a memória). O paralelo
ocorreu-me porque a personagem Holloway, ao mesmo tempo que é
solidária na profissão, tem obsessão pelas suas joias e é o que
ela mais lamenta ter perdido no início do filme. Dessa cena eu
lembro bem. Achei curioso que uma mulher que faz serviço “tão
social” ao mesmo tempo ser tão vaidosa e materialista. É fácil
demais a avaliação de que Holloway e Fortunato são personagens
contraditórios. É pensar que os dois não são contraditórios é
que faz o diagnóstico ficar mais interessante. E mais gostoso
também.
Pronto;
agora podem ir ler “A Causa Secreta”, mais um conto
perfeito do Machado de Assis. Não se preocupem com o trecho
sobre o rato. Vocês não vão ter pesadelos com o trecho sobre o
rato. Eu juro. Confiem em mim.