sexta-feira, 19 de março de 2021

O Enfermeiro, 1896

 

O Enfermeiro” (Várias Histórias, 1896)


São dezessete contos e “O Enfermeiro” é o décimo segundo conto clássico de Machado de Assis que escrevo a respeito aqui. Mais da metade, portanto. Acho que é hora de, - como se diz popularmente -, “fazer uma d.r.”. Discutirmos a nossa relação.

Melancolia, Saturno em conflito com a Lua que rege o meu signo; depressão, algum hormônio errado ou algum príon na minha cabeça ou vagabundagem mesmo. Ou perda de fé em mais algum sonho que sonhei. Não importa. Ando esgotado, cansado. Então vou direto ao ponto: não adianta perguntar quem é você que me lê. Você não saberia responder. Ninguém sabe. Ninguém sabe o que se é, o que é triste porque conhecer-se é mais da metade do caminho para a felicidade. Então de uma vez pergunto logo algo mais em harmonia com o conto “O Enfermeiro”: como você domesticou sua consciência depois de… hum… ter feito algo grave? Porquê podemos escapar de todos, menos de quem mora no espelho para a gente.


Paralelo com algum filme? Sim, eu tenho um. Não é top 20 de minha lista de filmes favoritos de todo o universo e eternidade, mas é um filme que gosto muito. E justiça cultural, ele reúne nomes subestimados pela crítica especializada em cinema em atuações excelentes. O filme “Sem Dor, Sem Ganho” (“Pain & Gain”, Bar Paly, 2013, Michael Bay, Christopher Markus, Stephen McFeely, Pete Collins, Mark Wahlberg, Dwayne Johnson, Anthony Mackie, Tony Shalhoub, Ed Harris, Rob Corddry e etc.). A espiral trágica em os personagens perdidos caem aos poucos e como eles não conseguem perceber… É incrível como o filme narra isso!

Note o “aos poucos”. Isso é fundamental. Porque o demônio não vai aparecer para você com uma mãos segurando uma caneta e na outra um contrato. Claro que não, seria fácil demais. Você sentiria o calor, o cheiro de enxofre, alguns efeitos especiais e aí sairia correndo… Não poderia ser assim tão fácil e simples. É um erro de cada vez, de cada vez para montar o quebra-cabeça da tragédia. Todos os pedaços são inocentes e bobos… O segredo então seria prestar a atenção.


Prestar a atenção. Henry Thoreau em seu livro cruelWalden” conta que a vida nossa é eminentemente moral, com o vício e a virtude em nós em conflito 24 horas por dia. Isso muitos anos antes de Freud. Como prestar a atenção 24 horas por dia? Numa hora nos distraímos e aí… Procópio, o enfermeiro do conto “O Enfermeiro” de Machado de Assis, estava quase abandonando o emprego, foi só um momento de raiva e aí… A resposta clássica, aqui, seria o hábito. Não temos como prestar a atenção 24 horas por dia para não deixar o vício vencer, mas se tivermos bons hábitos cada vez mais sólidos em nós; temos uma proteção excelente. Militares e religiosos são um exemplo excelente. Atenção e disciplina.


E eu? Um atraso de praticamente uma semana aqui no blog. Por quê? Perdeu a graça? Auto sabotagem? Vagabundagem? Se eu cuidasse de um farol, abandonado em uma ilha deserta. (Como tantas vezes imagino-me e sonho). Talvez eu ficasse depois de alguns dias apenas deitado na areia, até transformar-se em mais um grão minúsculo. E como eu suporto isso, como convenço-me que é normal isso? Porque aparentemente não estou lutando para mudar isso criando hábitos produtivos. Sei lá. Não presto a atenção.


Qual austero! Já morreu, acabou; mas era o diabo.

E referiam-me casos duros, ações perversas, algumas extraordinárias. Quer que lhe diga? Eu, a princípio, ia ouvindo cheio de curiosidade; depois, entrou-me no coração um singular prazer, que eu sinceramente buscava expelir. E defendia o coronel, explicava-o, atribuía alguma coisa às rivalidades locais; confessava, sim, que era um pouco violento... Um pouco? Era uma cobra assanhada, interrompia-me o barbeiro; e todos, o coletor, o boticário, o escrivão, todos diziam a mesma coisa; e vinham outras anedotas, vinha toda a vida do defunto. Os velhos lembravam-se das crueldades dele, em menino. E o prazer íntimo, calado, insidioso, crescia dentro de mim, espécie de tênia moral, que por mais que a arrancasse aos pedaços recompunha-se logo e ia ficando.

Estou lendo os 17 contos selecionados em ordem cronológica de como eles foram publicados em livros. Uma maneira de acompanhar o amadurecimento do Machado de Assis. Bom, se antes poderíamos duvidar apesar de aqui e ali o brilho do gênio era inconfundível; com “O Enfermeiro” não há dúvida de que o amadurecimento é completo. Um dos seus melhores contos. Fala sobre culpa e morte e é, ao mesmo tempo, um dos seus contos mais engraçados: o trecho sobre os palavrões, por exemplo, é impagável. E é muito muito rico quanto aos detalhes sociológicos: preconceito contra alcoólatras, tu vai ficar indo atrás das minhas escravas mais bonitas?, amigo padre dando uma instrução basicamente informal mas suficiente para um bom emprego, a hipocrisia de uma sociedade que espera o sujeito dar as costas e… Muito rico. Realmente um dos melhores contos do nosso Machado.

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