sábado, 6 de março de 2021

A Igreja do Diabo, 1884

 

A Igreja do Diabo (Histórias Sem Data, 1884), de Machado de Assis


É a eterna contradição humana.”

Não, não, eu nego. Não pode ser este o final do conto; a lição de que nós humanos somos eternamente desobedientes e eternamente gananciosos. É claro que isso é verdade, mas é uma verdade tão verdade e a tanto tempo que eu fico com tédio. Eu quero mais sentidos, Machado, eu quero que o seu conto “A Igreja do Diabome conte mais coisa!


O Diabo. Deus, anjos, virtudes; tudo que a mãe e a escola manda a gente fazer, pelo menos na memória, e na ponta da língua, é coisa familiar demais. Então o Diabo é um alvo forte de curiosidade. Talvez também o seja por outro motivo. Mas aqui agora não é uma boa ocasião para nos examinar...


O Diabo é principalmente pobre e superficial. Curioso porque ele pode nos dar muito ouro, prazer, mansões em Brasília por meio de pagamentos exóticos e na pior hora política possível. Mas o Diabo é pobre e superficial por quê? Vamos construir pontes aqui para iluminar a paisagem.


Começamos com um filme estadunidense que fez mais sucesso no Brasil do que no próprio Estados Unidos (*). No filme “O Advogado do Diabo(“The Devil's Advocate”, Charlize Theron, Andrew Neiderman, Jonathan Lemkin, Tony Gilroy, Taylor Hackford, Keanu Reeves, Al Pacino, 1997 e etc), o Diabo tem um plano: fazer o Kevin Lomax ter um filho com alguma das diabas. O Diabo tenta fazer este plano, a gravidez programada, o tempo todo. Entendem? A gravidez e conquistar o mundo; a gravidez e conquistar o mundo; a gravidez e conquistar o mundo O Diabo não mandaria o Lomax sacrificar um amigo no alto de um monte em uma super cerimônia e tal e na última hora mudar de ideia porque o importante era saber se o coração de Lomax era sincero e puro ou não. O Diabo é pobre e superficial no projeto particular e no projeto amplo. Um bom exemplo para aprendermos a não ser fanáticos e intolerantes; um bom exemplo para aprendermos a ser compreensivos e abertos ao mundo.

Na crônica “Entre o Martelo… Não não, antes, mais um detalhe do filme O Advogado do Diabo(“The Devil's Advocate”, Charlize Theron, Andrew Neiderman, Jonathan Lemkin, Tony Gilroy, Taylor Hackford, Keanu Reeves, Al Pacino, 1997 e etc). Eu gostei do filme, mas não concordei com a transformação do repórter no final (preferiria que fosse apenas aquele tique na expressão e colocava logo os créditos finais e um choque para a plateia). O papel ambíguo do feminino ou simplesmente a lição de que os seres femininos são mais influenciadas e compreendem mais naturalmente a ordem do Cosmos. A decisão de Kevin Lomax de aceitar o trabalho em Nova Iorque é dele, só dele, - lição básica de livre arbítrio -, mas a Mary Ann Lomaxaqueeeela forcinha para que Kevin tome a decisão que ela deseja. Ao mesmo tempo… Ao mesmo tempo… Ao mesmo tempo Mary percebe primeiro que há algo errado naquele emprego tão espetacular e avisa inutilmente Kevin. Assisti ao filme há muitos anos, mas acho que Mary avisa umas quatro vezes o Kevin antes da crise.


O Retorno e Terno – Crônicas” foi o primeiro livro do Rubem Alves que eu li. Imediatamente Rubem tornou-se um dos meus autores amados. Top 10. Na crônica “Entre o Martelo e a Bigorna” aprendemos que o Diabo é o testador do humano na fábrica e não um tentador moralista cruel. Mas mesmo aqui há fanatismo, há pobreza: ele serve para testar e pronto, só faz isso. Independe do resultado, ele continua. Não se importa. Deus perdoa, o Diabo só quer saber de bater o cartão na fábrica e pronto. Só um reles funcionário. Para sempre.


No conto “A Igreja do Diabo” o Diabo nem deve ter aprendido no final sobre virtudes e pecados, sobre franjas que não são feitas do mesmo material do vestido. Não, não. Ele não aprendeu o que Deus lhe ensinou no final. Porque ele é, como ele mesmo disse no início do conto, “o espírito que nega”. Só nega. Só faz isso. Ele é pobre e superficial.


A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem?”

Eu gostei da “Igreja do Diabo”. O Machado de Assis foi bem metafísico e isso me fez viajar bastante, ao mesmo tempo eu achei, por exemplo, Deus bastante verossímil. Eu acho que se Deus existisse ele poderia ser daquele jeito mesmo.


* É uma reportagem antiga da revista “Veja”, na seção de cultura. Acho que a guardei, mas não a tenho em mãos agora. Era sobre uma fórmula que prometia com alguma exatidão prever se um filme faria ou não sucesso. Naturalmente que mesmo uma fórmula humilde sofreria muito neste misterioso mundo das artes; e uma das exceções mostradas na reportagem era justamente o filme “O Advogado do Diabo”. Na época de seu lançamento, fez mais sucesso no Brasil do que nos Estados Unidos. Hoje, 2021, não sei se mudou muito. No portal IMDB (https://www.imdb.com/title/tt0118971/?ref_=ttfc_fc_tt), a nota está em 7,5 de 10. É bastante. O filme é bom mesmo, mas eu não perdoo aquela metamorfose do repórter no final.

- Tudo bem, Aldrin. Mas se você tivesse um Al Pacino no elenco…

- Tem razão, Taylor.

Resistir às tentações é mesmo difícil.


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