segunda-feira, 22 de março de 2021

Um Homem Célebre, 1896

 

Um Homem Célebre” (Várias Histórias, 1896)


Família é coisa grande mesmo, temos aqui outro parentesco entre contos de Machado de Assis. “Um Homem Célebre” é parente de “Cantiga de Esponsais”. Trabalhar humildemente; trabalhar humildemente; uma ponte ora grande ora curta e sempre marcante para um artista entre o público e os seus desejos; trabalhar humildemente; trabalhar humildemente é a resposta. Mas humildade não prescinde de um pouco do doce humor e da amarga ironia. Que registremos, então para todos lembrarem bem, que Pestana fez aquela piada e aquela piada de despedida foi na medida, na medida. Não a classifiquemos de “vingança”, isso seria desagradável demais para com o personagem, vamos dizer “na medida” mesmo. Mas apesar da vontade de uma interpretação agradável, temos que admitir que o Mestre Romão foi mais feliz que o Pestana, porque pelo menos escutou o assovio daquela vizinha recém casada no final. O poder de uma obra de arte.


Lembram que eu observei que o “Conto de Escola” era, apesar de outras qualidades, pobre do ponto de vista psicológico? Bom, não posso dizer o mesmo de “Um Homem Célebre”. Aqui conhecemos a intimidade de um artista em conflito entre o que ele quer e o que o público quer. Uau! É para citar a cena inicial de “O Mundo de Andy” (“Man on the Moon”, Courtney Love, 1999, Jim Carrey, Milos Forman, Larry Karaszewski, Scott Alexander e etc.) e a cena final de “O Sol de Cada Manhã” (“The Weather Man”, Hope Davis, 2005, Gore Verbinski, Nicholas Cage, Steve Conrad, Michael Caine e etc.)? É sim. Depois de decidir contar piadas para a parede do seu quarto ou para o público, lembrar-se pelo menos de ficar na frente do balão do Bob Esponja durante o desfile de Ação de Graças. Se você não conseguir harmonizar as suas necessidades de artista com o que a plateia quer; pelo menos lembre-se de ganhar dinheiro para a comida. É possível. Antônio Mazzaropi e William Shakespeare são exemplo de dois artistas que eram autorais e eram razoavelmente seguros quanto ao dinheiro.


E já que estamos falando de riquezas, o conto “Um Homem Célebre” é rico do ponto de vista sociológico. Tudo bem que neste conto Machado de Assis está olhando para classes abastadas de 1870, mas mesmo assim é difícil imaginar noites do Rio de Janeiro embaladas por polcas e quadrilhas ao piano. Paralelo ambíguo entre músicas populares e política, algo meio óbvio talvez. E uma lição nem tão óbvia: cuidado com os escrivães dos cartórios: eles podem fazer fofocas venenosas!


O editor achou-a linda.

Vai fazer grande efeito.

Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em 1871, quis dar-lhe um título poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, — ou pela graça das palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro, ou Candongas Não Fazem Festa.

Mas que quer dizer Candongas Não Fazem Festa perguntou o autor.

Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.

Pestana, ainda donzel inédito, recusou qualquer das denominações e guardou a polca, mas não tardou que compusesse outra, e a comichão da publicidade levouo a imprimir as duas, com os títulos que ao editor parecessem mais atraentes ou apropriados. Assim se regulou pelo tempo adiante.

Gostei do conto “Um Homem Célebre”. Olho para o meu umbigo, suspiro diante de alguns vícios e fraquezas de minha parte. Estes textos aqui elogiam o talento de Machado de Assis? Acho que sim. Pingos de Satisfação.

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