Pulando,
depois de 12 mil anos calado
“Aos cantadores e violeiros analfabetos e
geniais,
às
velhas amas contadeiras de estórias maravilhosas
fontes
perpétuas da literatura oral do Brasil, ofereço,
dedico
e consagro este livro que jamais hão de ler...”
Que jamais hão de ler; é
verdade, mas elas e eles sempre estarão à espera de nós.
Luís da Câmara Cascudo adoooora
fazer uma citação em língua estrangeira sem traduzir. Danado!, mas ele pode;
amo ele então perdoo fácil fácil. Mas isso seria coisa para Global
Editora fazer aqueeeelas notinhas de rodapé né? Pois é… Deixa pra lá.
O cancioneiro popular vai
mais longe e eu preciso conhecer o Franz Boaz mais de perto. Quando meu
amado Will Durant apresentou o Francisco Boaz para mim em A
Filosofia da Vida, fiquei totalmente encantado e conquistado. Tem
livro do Chiquinho Boaz em português? Preciso procurar.
Um apito pequenininho feito
de um ossinho de animal ficou 12 mil anos em silêncio até ressuscitar pelas
mãos de Hernandez-Pacheco, naquele
encontro feliz em uma caverna em Paloma; Astúrias. Pois pois, aqui nesta
antologia teremos a mesma coisa: flautinhas de muita gente que registrou
pedaços da cultura popular brasileira ao longo de séculos irão cantar
novamente. Para você que me lê.
Ah!, mas é maravilhoso!
Simplesmente maravilhoso! Eu mal começo a Antologia
do Folclore Brasileiro, de Luís da
Câmara Cascudo, e já tropeço no primeiro
registro presencial do encontro das lendárias guerreiras amazonas! E por um
religioso! Como todo respeito frade Gaspar
de Carvajal; mas é impossível ignorar os meses e meses de fome e sede em
uma viagem mortal em alto mar em um navio cheio de homens fedorentos e os
paralelos freudianos tudo tudo misturado para explicar a sua visão das
amazonas.
"Quero que saibam qual o motivo de se
defenderem os índios de tal maneira. Hão de saber que eles são súditos
tributários das Amazonas, e conhecida a nossa vinda, foram pedir-lhes socorro e
vieram dez ou doze. A estas nós a vimos, que andavam combatendo diante de todos
os índios como capitães e lutavam tão corajosamente que os índios não ousavam
mostrar as espáduas, ao que fugia diante de nós, matavam a pauladas. Eis a
razão por que os índios tanto se defendiam.
Estas mulheres são muito alvas e altas, com o cabelo
muito comprido, entraçado e enrolado, na cabeça. São muito menbrudas e andam
nuas em pêlo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos,
fazendo tanta guerra como dez índios. E em verdade houve uma dessas mulheres
que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras um pouco menos,
de modo que os nossos bergantins pareciam porcos-espinhos."
(Frei Gaspar de
Carvajal)
[Páginas
58 a 61 de Descobrimento do Rio Amazonas,
de frei Gaspar de Carvajal, Alonso de Rojas e Cristobal de Acuña; com tradução e notas de C. de Melo-Leitão. Volume de número 203 da Colação Brasiliana {São
Paulo, 1943}.].
Brancas, altas e com cabelos
lisos. E todo o resto do relato do frei sugere que ele gostava de narrar uma
luta: “... uma coisa maravilhosa de ver-se”.
- Aí vem a nossa comida
pulando.
Mais uma história fabulosa,
mas mais real. Quer dizer, também acredito nas amazonas; claro, claro. Cof!
Cof! Mas onde eu estava? Como todo o respeito, mas não posso resistir e uso
minha brasilidade como imunidade:
- Pula, Hans Staten, pula!
Pelo menos uma vez por mês a
bebedeira indígena a noite toda, dançando sem parar, fazendo um barulho
“formidável”. Repartem a comida e raramente ficam zangados uns com os outros.
Isso é que é programa de índio!
Tentaram nos obrigar a sair
do barco que encalhou no rio subitamente por causa da maré baixa. A ideia era
fazer muita fumaça de pimenta e para isso os índios tentaram fazer uma
fogueira, mas o fogo não pegou. Escapamos.
Bom, é de época e é preciso
compreender; mas as palavras do padre Manuel
da Nóbrega podiam ter aquela tolerância gentil dos antropólogos. Triste,
triste.
A mesma coisa com o José de Anchieta, infelizmente. Os
índios não conhecem o deus verdadeiro, mas em compensação os demônios selvagens
eles conhecem praticamente todos, José
de Anchieta? Triste, triste, mas é o contexto, o contexto.
Livremente inspirado em Antologia
do Folclore Brasileiro, 1944, organizado pelo:
Professor dos professores, o
mestre dos mestres, a mistura de Aristóteles e poesia, a mistura do luar
que perfuma o rio Potengi com o sol que vivifica o Rio Grande do Norte: Luís
da Câmara Cascudo.
(2003, Global Editora e
Distribuidora Ltda, São Paulo, edição em dois volumes.)
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