quarta-feira, 21 de abril de 2021

Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881

 

OLHE BEM A BORBOLETA PRETA


Memórias Póstumas de Brás Cubas”, 1881; Machado de Assis


7. Não dirás que tua vida é ou foi frustrada; vida alguma jamais se frustra (Sêneca, Nietzsche, Henry James).”

Jurandir Freire Costa.

(Este decálogo de Jurandir Freire Costa é um dos textos mais poderosos que conheço. Outro mandamento, o terceiro, salvou-me a vida no momento em que o suicídio mais teve próximo de mim. Ainda pretendo escrever sobre este episódio.)


Terminado o aperitivo, vamos ao prato principal.

Memórias Póstumas de Brás Cubas”: começa a revolução de Machado de Assis no romance mundial. E o que eu tenho a escrever sobre?


Antes de mais nada a pimenta, que ouvi dizer que moderadamente faz muito bem para a saúde. O tempero, é preciso lembrar-se do tempero. Quando e onde se fez determinada leitura. Por exemplo, eu nunca vou me esquecer onde eu estava quando li o trecho sobre a disputa entre cavaleiros diante da princesa e do rei em “Ivanhoé”. Cavalos, lanças longas, corridas um contra o outro para ver quem cai e quem permanece sob o cavalo… A cena é popular e vira e mexe é repetida em desenhos e filmes. Com certeza você já viu. Eu estava no ônibus passando pela rodoviária de Belo Horizonte para mais um dia na faculdade de jornalismo quando li essas palavras de Sir Walter Scott. E na memória afetiva a lembrança deste livro é acompanhada pela visão, por meio daquela janela de ônibus, da rodoviária municipal de Belo Horizonte. O barulho, a janela suja, o sol já intenso castigando-me e eu na Europa medieval.

No dia 9 de abril de 2021 eu estava em meu quarto arrumando minha mochila. Eu ia junto com o meu pai para a Casa de Saúde de Rio Acima, pois o meu pai estava ruim de saúde. Como ele estava muito ruim, presumi que era prudente ter uma mochila de roupas caso eu ficasse com ele internado. Fazia dias que meu pai tinha dores na perna e essas dores foram, depois, para o corpo todo. Para piorar, apareceram manchas vermelhas em seu peito, costas e no rosto. Na hora de arrumar a mochila pensei em levar um livro e o escolhido foi “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Pela ordem de leitura, deveria ser “A Conferência dos Pássaros” de Farid Ud-Din Attar; mas eu queria algo mais leve (na forma de expressão, uma vez que poesia é mais difícil que prosa na hora da compreensão). No mais, depressivo e mórbido, pensei que se eu fosse morrer eu poderia morrer como Brás Cubas. Acho que se eu estivesse com o livro em mãos isso seria mais fácil de acontecer. Bom, julgue-me a vontade leitora e leitor; mas, pelo menos, você vai concordar que é de bom gosto usar diante de uma situação difícil um livro como amuleto.

Foram quatro dias difíceis. Alergia, dengue, meningite bacteriana, novo corona vírus, dores musculares mais intensas, reação à vacina contra o novo corona vírus? Ninguém conseguia saber e ficamos isolados em uma sala pequena, vazia e com janelas que não abriam direito. No domingo, dia 11, fomos para Nova Lima. Eu nunca tinha andado em uma ambulância. Meu cinto estava frouxo e não consegui apertá-lo, mas foi tudo bem (apesar que a viagem, inesperada porque não sabíamos quando a vaga apareceria, foi logo após o almoço que consegui comprar na lanchonete em frente a Casa de Saúde). Mas na tarde de segunda-feira estava todo mundo em casa. Meu pai esta melhor agora.

Bom, eu li “Memórias Póstumas de Brás Cubas” entre aquela sexta e domingo. Sala pequena com uma maca e uma cadeira e duas janelas que mal abriam; urinando no “marreco” (um vaso de metal, só saíamos da sala para fazer o “número dois”), a sombra da meningite ou mistério ou morte em geral, a falta de banho, a falta de sono, a falta de um chinelo, o frio a noite, a saudade de minha mãe que chorava de saudade sozinha que estava, saudade dos cachorros, os parentes telefonando sem parar… Eis o tempero da leitura minha de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Não tinha os meus dicionários que eu consulto e eles fizeram falta; mas a mensagem do livro eu captei.

E então, o que eu tenho a dizer sobre “Memórias Póstumas de Brás Cubas”?


Antes de mais nada, minha vaidade pede para esclarecer uma coisa a você que me lê:

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Todo mundo quando trata de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” cita a sua dedicatória. E eu quero preciso ser diferentão, então eu não vou citar a

dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”!;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Mas em toda a história da literatura mundial, de Gilgamesh a Elena Ferrante, ninguém nunca tinha escrito uma dedicatória tão original…;

Mas eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”!;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Mas essa dedicatória é fundamental para entender o caráter do personagem principal…;

Mas...

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”!;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou, não vou!

Não vou, não vou, não vou!

Eu não vou, eu não vou, não vou, nãonãonãonão…!

Mas não vou mesmo, não vou não vou não vou,

Quando eu vou ter outra oportunidade para ser original assim?

Não vou, eu não vou, não vou, não vou!;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

Eu não vou citar a dedicatória de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”;

AO VERME

QUE

PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES

DO MEU CADÁVER

DEDICO

COMO SAUDOSA LEMBRANÇA

ESTAS

MEMÓRIAS PÓSTUMAS”

Machado de Assis, seu filho da p**** maravilhoso!


Escrevi, aqui em outra ocasião, que não sou especialista a respeito da crítica sobre Machado de Assis. Acho mais importante, agora no início, ler os seus textos principais e depois ler o que mulheres e homens escreveram sobre ele. Aí depois releio os textos e o ciclo recomeça; e assim vai a vida inteira. (Porque autores como Machado são companheiros para a vida inteira mesmo.) Naturalmente que alguma coisa eu conheço da crítica. Vídeos do YouTube, alguns textos e obviamente as introduções nos livros em que estou lendo.

Parece-me que a interpretação mais unânime a respeito de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” seja que a história, humorística e amarga, tem como pedra de toque o desperdício de oportunidade: em vez de uma Madame Curie ou de um Júlio César, usamos a ocasião invulgar de um defunto autor com as suas vantagens de ter disponíveis a eternidade, a onisciência, a sinceridade para descobrirmos os segredos de uma vida… ordinária, comum, mediana, medíocre, supérflua.

Mas…

Mas talvez seja este mesmo o objetivo: o elogio ao mediano, à massa, romper este anonimato para descobrir um tesouro ali. Pois se é humano, deve ter um tesouro. Em 1881 Machado de Assis antecipou o século XX, o século das massas anônimas das grandes cidades. Posso facilmente conhecer a vida, de misérias e glórias, de um Karl-Heinz Rummenigge ou de um Mário de Andrade; mas como conhecer a vida de alguém como eu, alguém próximo e quem ousaria dizer que isso não teria valor e significado?

Eu não discordaria desta interpretação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; mas na busca por uma síntese mais original e pessoal de minha parte para decifrar Brás Cubas, lembrei-me de “eu sou poeta e não aprendi a amar”. É um verso da música “Malandragem”, já clássica, de Cazuza e Frejat. Pensando mais neste caminho de interpretação, descobri que a música toda ajuda-nos aqui. Tanto que merece ser citada na íntegra.

Quem sabe eu ainda sou uma garotinha

Esperando o ônibus da escola, sozinha

Cansada com minhas meias três quartos

Rezando baixo pelos cantos

Por ser uma menina má


Quem sabe o príncipe virou um chato

Que vive dando no meu saco

Quem sabe a vida é não sonhar


Eu só peço a Deus

Um pouco de malandragem

Pois sou criança

E não conheço a verdade

Eu sou poeta e não aprendi a amar

Eu sou poeta e não aprendi a amar


Bobeira é não viver a realidade

E eu ainda tenho uma tarde inteira

Eu ando nas ruas

Eu troco um cheque

Mudo uma planta de lugar

Dirijo meu carro

Tomo o meu pileque

E ainda tenho tempo pra cantar


Eu só peço a Deus

Um pouco de malandragem

Pois sou criança

E não conheço a verdade

Eu sou poeta e não aprendi a amar

Eu sou poeta e não aprendi a amar


Eu ando nas ruas

Eu troco um cheque

Mudo uma planta de lugar

Dirijo meu carro

Tomo o meu pileque

E ainda tenho tempo pra cantar


Eu só peço a Deus

Um pouco de malandragem

Pois sou criança

E não conheço a verdade

Eu sou poeta e não aprendi a amar

Eu sou poeta e não aprendi a amar


Quem sabe eu ainda sou uma garotinha!

A linha aqui é bastante reta e curta entre nossos dois personagens. Brás Cubas não é exclusivamente um bon vivant de companhia agradável para um jantar, um homem peter pan atraente por causa de sua impulsividade infantil diante de um novo projeto que lhe ocorre e que depois ele deixa inacabado; não, não. Há nele doses de egoísmo e crueldade que não podem ser ignoradas. Há bastante frieza em nosso Brás Cubas. Aliás, falar em frieza lembra-me comentar sobre o delírio que acontece no início do livro. Mas antes disso, vale a pena pensar em Brás Cubas como um anti-herói e aqui a família é grande e antiga: temos o Huckberry Finn de Mark Twain e alguns personagens de contos de fadas como a Molly Whuppie ou o Gato de Botas.


Transformar-se em um barbeiro chinês gordinho talvez represente que a tragédia de Brás Cubas é que ele nunca encontrou-se, nunca soube para que ele vivia; qual era a sua vocação, chamado. A transformação em um volume de “Summa Theológica” do Tomás de Aquino? Bom, como essa transformação o fez sentir-se preso, paralisado completamente; talvez represente a educação que Brás recebeu da família e escola: serviu para nada, não o desenvolveu e até podemos dizer que o seu pai foi irresponsável de tão generoso e paciente com ele. A viagem com o hipopótamo falante? Os olhos fechados de Brás Cubas e a paisagem de neve no final me fazem lembrar que talvez isso represente um resumo de sua vida: sem calor humano, sem trabalho (olhos fechados e a paisagem vazia), sem obras. E sem amigos, pois nem ele cita o nome dos amigos que apareceram em seu funeral. E a mulher gigante, a Pandora-Natureza, mãe e inimiga? Como interpretar? É irresistível pensar que as mulheres que Brás Cubas poderiam tê-lo salvado, mas não dá para ter certeza. Talvez elas não fossem de confiança, mas… Enfim…


Antes das anotações gerais que fiz, uma nota que pode ajudar a quem se interessa pela história dos direitos da mulher. O trecho sobre a loja da Marcela e o motivo da loja ser pouco procurada. Está no capítulo XXXVIII. É curtinho e discreto, mas em se tratando de Machado: as aparências sempre enganam.

Agora vamos às anotações gerais.


Paralelos com a história do Brasil: Brás Cubas é tão imaturo quanto um certo país que ficava independente de Portugal. Convivência com pessoas tísicas. A popularidade da poesia: sem mais nem menos, durante uma conversa, a pessoa diz que é poeta amador e recita algum poema. Uma mulher casada precisa de prataria para exibir na sala de visitas. Um jantar para comemorar uma derrota de Napoleão: sinal que nas famílias ricas havia muito interesse pela Europa. Brás Cubas tinha inveja dos modos formais de Damasceno e da honradez de Cotrim.


Uma nota sobre a erudição selvagem de Machado de Assis. É inacreditável: Bíblia, Grécia Clássica, literatura consagrada e autores menos conhecidos… De tudo um pouco, é uma floresta tropical de erudição. E o bom gosto na hora dos paralelos e citações! Soberbo!

Uma nota dentro da nota sobre a erudição do Machado. Eu não anotei, então posso estar sendo enganado pela minha memória. Mas até a “Messíada” apareceu em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”! Explico. Eu vivo sempre com a cabeça no mundo da Lua e em algum lugar entre alguns dos anéis de Saturno. Então quando procuro alguma palavra no dicionário eu acabo sempre folheando demais o dicionário e me afogo prazeirosamente ali. Um dos meus dicionários é mágico e estranho. Ele se chama “Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa”. Minha edição é de 1982, mas ele é publicado desde a década de 1960 e seu organizador é o Cândido Jucá (filho). Pequeno e azul (que dicionário decide ser azul?), ali tem palavras que os meus outros quatro dicionários não tem. Um dia, folheando o Cândido Jucá Filho eu descubro o verbete “Messíada” e aprendo que a palavra é “nome de célebre poema do Klopstock”. E só. Aquilo ficou em mim. Ainda não tive juízo de procurar pela internet o poema. Enfim, eu juro juro que li “Messíada” em algum lugar de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”!

Uma nota dentro da nota que estava dentro da nota sobre a erudição de Machado de Assis. O Tico e o Teco, os meus dois neurônios, conversaram entre si agora e lembrei-me que tenho a obra completa de Machado em pdf (*) e posso fazer pesquisa por palavras em cada arquivo. Digitei “Messíada” e nada. Mas quando digiteiKlopstockno “Brás Cubas” eu achei isso: “… penso que era um riso misto, como devia ter a criatura que nascesse, por exemplo, de uma bruxa de Shakespeare com um serafim de Klopstock”. Eis aí. Está no capítulo XV sobre a Marcela. Marcela é “prima” da nossa Capitu de “Dom Casmurro”, em sua ambiguidade? Ocorreu-me agora. Torno-me um Sherlock Holmes e penso que em “Messíada” com certeza tem serafins participando. Não é possível que o nosso Machado estava falando de outro poema do KlopKlop! Aí ia ser erudição demais! Humilha não, Machadão!

Fim das notas. Agora vamos para a citação que para mim é chave no livro e as observações finais.


“— Também por que diabo não era ela azul? disse comigo.

E esta reflexão, — uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas, — me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: “Este é provavelmente o inventor das borboletas.” A idéia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijálo na testa, e beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia.

Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas... Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.”

Como você facilmente se perde em reflexões e desejos, Brás Cubas!

Foi por pouco, Brás Cubas, foi por pouco. Se você tivesse percebido… Se você… Foi por pouco, você tinha tanto tanto e o mundo continuará doente sem o seu remédioO episódio da esposa do capitão do navio e do almocreve não foram suficientes para você? A ilusão das cicatrizes no rosto da Virgínia não era um sinal que você tinha algum juízo? Aliás, o nome dela: Virgínia; mas ela estava te levando para onde como Dante… Bobagem, bobagem, porque lembro do episódio do muro e pergunto-me se você realmente a amava… Ah, Brás, você amou alguém? Realmente amou algo? A história da filantropia, por exemplo, ela é tão bizarra que até penso que Machado, como Hermann Hesse em “Narciso e Goldmund”, não soube terminar o livro e por causa disso terminou tudo rapidamente. Ou talvez seja mais uma ironia do livro: acham, leitores, aqui no final, que sou um inútil?, então não vou contar tudo que aprendi na minha participação na filantropia! Ou… Enfim, já foi dito que quem não ama caminha no escuro e você nunca soube para onde ia e mesmo confessou isso dizendo que em sua cabeça havia um “trapézio”!

Ainda destaco mais um elogio, discreto como é o estilo, à cultura árabe islâmica; que também já apareceu em algum conto. E a presença do Quincas Borba. Ele aparece muito muito e sua participação é marcante no livro. Assim como Shakespeare e Balzac, o nosso Machado sabe que quando um personagem coadjuvante é muito rico, ele merece mais espaço. Falstaff, Vautrin, Quincas Borba. Família formosa essa.

Agora, para terminar, uma nota que pode parecer supérflua. Machado é universal, mas ele faz muitas referências que só facilmente um leitor de sua época conheceria. É um aspecto “cronista” mais forte que se espera. Se a edição do seu livro não for muito erudita em notas de rodapé, leitora e leitor, a leitura fica prejudicada. E com certeza você não quer perder nenhum grão de areia de ouro da riqueza de nosso Joaquim Maria Machado de Assis.


* Não lembro se foi no site da Academia Brasileira de Letras ou no Domínio Publico. Mas a obra completa do Machado de Assis está disponível em pdf pela internet. Quando a peguei para mim, tive que renomear arquivo por arquivo pois os nomes eram “rs_31_z_0_oo”. Tipo isso. Imagine renomear um por um mais de duzentos arquivos! Deu trabalho, mas o sangue patriótico fervia e não deixou que meu ânimo esfriasse.


Falei dos problemas de saúde de meu pai e agora recebo notícias preocupantes de um tio materno. Ex atleta e homem de grande senso de humor. Ele olhava para mim e começava a rir sem parar. Grande tio Dizinho! Se do outro lado da tela a leitora ou leitor for de fazer orações; eu fico agradecido.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

O Gato que caiu no Livro

 

MEU ARQUIVO DE MATERIAL JORNALÍSTICO: VEREDAS 8

- Um pouco de história. Começou com o meu pai, professor de geografia e história. Ele costumava guardar recortes de jornais e revistas. Além disso ele e eu gravávamos vários programas de televisão em fitas VHS: filmes de arte por causa de suas histórias, filmes ruins por causa de seus efeitos especiais, vídeos engraçados do "Domingão do Faustão", reportagens, documentários como “Xingu primeira série” e séries como "Holocausto A Saga da Família Weiss" e etc. Em 1998 o videocassete já estava estragado e as fitas abandonadas. Meu pai se afastou do magistério em meados de 2005, mas os recortes e revistas e jornais antigos foram abandonados muito muito antes. Mas minha memória fazia o antigo prazer de guardar pedaços da história humana ainda pulsar e, quando entrei na faculdade para estudar jornalismo; cismei que montar um arquivo de material jornalístico poderia ajudar-me a fazer o meu jornal.

Acabei juntando alguma coisa. Querem conhecer? Vamos lá.


18 - Folheto do Gato Negro Núcleo Libertação Animal em “Rememoração ao Dia Mundial Vegano Direitos Animais: Uma Dívida Histórica”. Evento marcado para acontecer no Centro Cultural da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), nos dias 4 e 5 de novembro de 2006. Há a indicação de uma parceria com a Sociedade Vegetariana Brasileira; e a “Quituts”, que parece ser uma fornecedora de alimentação vegana.


Eu não sou vegetariano, não fui neste evento e não lembro como consegui o folheto; mas visitei a “Gato Negro” quando eles eram uma biblioteca comunitária no corredor escondido no segundo andar do Edifício Maletta.

O segundo andar do Edifício Maletta é onde estão os sebos e eu ia lá quase todo dia enquanto fazia faculdade de jornalismo. Um pouco antes e um pouco depois. Há o espaço principal, aberto e onde há até lugares para comer e há um corredor meio “escondido”. É nesse corredor “escondido” que havia a biblioteca comunitária.

Acho que fui lá umas três vezes, mas não peguei livros e nem conheci bem os organizadores. Mas doei um exemplar do “História da Filosofia”, do meu super amado Will Durant.

Saudade de minhas visitas aos sebos do Maletta. Ainda sobre este corredor “escondido”, ali havia um sebo com um aposentado muito simpático que eu visitei depois de formar-me na faculdade. O aposentado trabalhava com engenharia e os livros ali eram principalmente livros técnicos, mas havia ficção. Pelas mãos dele comprei Gynamedes José e vários exemplares da coleção “Mistérios do Desconhecido”.


Agora alguns trechos deste folheto da Gato Negro:

“ “A questão não é: eles pensam?

Ou: eles falam? A questão é: eles sofrem”

(Jeremy Bentham)


Nós, seres humanos, somos animais, porém nos achamos no direito de provocar dor e morte em todas as demais espécies habitantes da Terra. Seja para alimentação, para “ciência”, para diversão, para a moda ou por razões ainda mais banais, animais ano após ano têm sido usados e descartados como meros objetos.


A organização é horizontal e autogestionária. O Gato Negro luta para que qualquer violação da pessoal animal, seja reconhecida com tal rigor a uma violação dos direitos humanos.”


No folheto há a indicação da programação dos dois dias. Podemos ler o nome de alguns audiovisuais: “O Gato Como Ele É”, “Terráqueos”, “Não Matarás” e “Pucilga de Sequestro”. Além de palestras de Thales Tréz, Juliana Biagioni, Doutor George Guimarães, Doutora Edna Cardozo Dias e Fagner Delazari.



19 - “O Livro é um pássaro com mais de 100 asas para voar.” - Ramón Gómez de La Serna.

Não anotei o nome e a data, mas a minha memória que este recorte é do jornal “Estado de Minas”. Daquela seção daquela mulher que escrevia sobre gramática e ortografia. Esqueci o nome dela. Ela sempre tinha uma citação em sua coluna e eu recortei algumas.

Esta citação é bonita, mas eu acrescentaria que um livro é também pessoas (quem escreveu-o e todo mundo que aparece no livro) e também um universo inteiro (cuidado para não cair quando abrir!). “Linguagem poética” nada, eu estou falando concretamente.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Morena, Mel e Números Primos em 26 de Julio

 

MEU ARQUIVO DE MATERIAL JORNALÍSTICO: VEREDAS 8

- Um pouco de história. Começou com o meu pai, professor de geografia e história. Ele costumava guardar recortes de jornais e revistas. Além disso ele e eu gravávamos vários programas de televisão em fitas VHS: filmes de arte por causa de suas histórias, filmes ruins por causa de seus efeitos especiais, vídeos engraçados do "Domingão do Faustão", reportagens, documentários como “Xingu primeira série” e séries como "Holocausto A Saga da Família Weiss" e etc. Em 1998 o videocassete já estava estragado e as fitas abandonadas. Meu pai se afastou do magistério em meados de 2005, mas os recortes e revistas e jornais antigos foram abandonados muito muito antes. Mas minha memória fazia o antigo prazer de guardar pedaços da história humana ainda pulsar e, quando entrei na faculdade para estudar jornalismo; cismei que montar um arquivo de material jornalístico poderia ajudar-me a fazer o meu jornal.

Acabei juntando alguma coisa. Querem conhecer? Vamos lá.


12 - Chrissa – Uma Lição de Força” (Martha Coolidge, 2009, Sammi Hanratty, Adair Tishler e etc.).

A arte sempre vai mais longe do que a ciência ou a religião, então cito este filme em vez de minhas memórias sobre bullyng nos tempos de colégio.


13 – “Nova Ordem Social As Doze Tribos”. Um folheto explicando o que são essas comunidades rurais e religiosas. Há um endereço digital: “www.dozetribos.com.br”. Há várias fotomontagens mostrando diversas fotografias juntas, onde podemos ver pessoas felizes.

Humildade, trabalho duro ao longo dos dias, um horizonte de natureza religiosa promovendo uma coesão de marca familiar coletivista. É comum essas comunidades rurais, mas eu nunca visitei uma (as três do folheto estão localizadas no Estado do Paraná). Será que eu seria feliz vivendo ali? Posso inspirar-me um pouco e ser mais trabalhador e mais próximo à natureza, pelo menos. Peguei este folheto na barraca onde vendia-se mel há muitos anos, quando eu e minha família participávamos da grande Feira de Artesanato do ExpoMinas. Conversei sobre os números primos com os vendedores. Não, não, não me perguntem detalhes.


15 – Um fôlder com papel de ótima qualidade, uma dobra e quatro partes; do Disque Direitos Humanos (Secretaria de Justiça do Estado de Minas Gerais e Secretaria Adjunta de Direitos Humanos). Não encontrei data.

Guardei este fôlder porque gosto dos direitos humanos e também porque nele há uma fotografia de uma linda mulher. É, lá vamos nós novamente brincar de ser escritor.

Vinte e poucos anos, morena e com cabelos negros encaracolados e ela também tem uma pinta pequena acima e à direita dos lábios grossos e rosados. Os olhos são espertos e meio “puxadinhos”, o que eu adoro. O sorriso largo e a mão no queixo acompanhando uma expressão atenta e curiosa em direção a mim não me deixa duvidar: eu não posso errar, é o que ela espera de mim. Mas errar tentando fazer o quê? Eu sou apenas um astronauta perdido e que nem lembra de onde veio, moça morena de olhos puxadinhos e dos óculos que esqueci de mencionar!


16 – Fôlder do Projeto Meninos de Minas – Oficinas de Musicalização e Construção de Instrumentos Musicais com Material Reciclado. Sem data. Cidade de Itabira. Na capa do fôlder de quatro partes há uma fotografia mostrando o grupo todo e realizada pelo fotógrafo Stael Azevedo. Há um endereço eletrônico: “www.meninosdeminas.com.br”.

Não conheço o projeto, acho que devo ter visto a apresentação deles em uma das vezes que eu e minha família participamos da Feira de Artesanato do ExpoMinas. Acho um sonho projetos como esses, pedir ajuda à arte para mostrar que a cidadania é importante desde muito cedo.


17 – Folheto da Associação Cultural José Martí Minas Gerais (“con todos y para el bien de todos”) para a comemoração do Dia da Rebelião Cubana 26 Julio. 2017.

Não participei dos eventos. Eram vários dias e não só os do dia 26, que estavam marcadas para acontecerem na Casa do Jornalista. No folheto há referência ao documentário “Venezuela, La Oscura Causa”, de Hernando Calvo Ospina; a festa “Eternamente Fidel” com vídeos, músicas e poesias; a comemoração para o Dia da Solidariedade Internacionalista; a apresentação do Bloco Soviético O Vermelhim; e o Ato Político Cultural: “Celebração dos 96 Anos de Paulo Freire”.

Sou um liberal, a minha simpatia pela Escola de Pensamento Político Anarquista e a Escola de Pensamento Político Socialista é mais de caráter impulsivo e romântico do que doutrinário. Imagino que deve ser comum de acontecer com muitos artistas que vivem em países liberais.