Guerras
Quinta-feira,
dia 24 de fevereiro de 2022. O dia começa com eu tomando café
da manhã e escutando na Rádio Itatiaia as notícias sobre a invasão
do exército russo na Ucrânia e o Aécio Neves em um áudio se
explicando no Jornal da Itatiaia porque a Justiça estava triste por
ele. Foi na “Conversa de Redação”, a parte final do Jornal da
Itatiaia. Esse tipo de coisa, - um áudio de mais de dois minutos
(uma eternidade em se tratando de rádio) -, é muito raro na
“conversa de redação”. Ainda mais em se tratando de um
político. Um dos âncoras da Itatiaia até se sentiu obrigado a
explicar, antes de publicar o áudio do Aécio Neves no ar, dizendo
coisas sobre “contraditório”. Mas a Rádio Itatiaia gosta muito
e há muito tempo do Aécio Neves. Aécio é muito poderoso em Minas
Gerais e há muito tempo é assim.
Eu
já o vi uma vez. Foi poético e sociológico o trem. Eu estava em um
auditório e a porta do mesmo estava aberta. Aí eu sentado distante,
ouvi alguma coisa vinda do corredor lá fora. Olhei para a porta
aberta e o Aécio passou cercado e acompanhado por uns vinte puxa
sacos. Incrível! Parecia um astro de cinema ou futebol! Pura
sociologia do poder! Aquela multidão junta passando e a cabecinha
dele lá no meio. Pura sociologia do poder!
RAYMUNDO
FAORO, MAX WEBER E ÉMILE DURKHEIM:
- Vamos com calma, filhote…
Na
sexta-feira, dia 25 de fevereiro de 2022, já à a noitinha, vejo
no canal do UOL no site YouTube que Aécio está ajudando brasileiros
a fugir da Ucrânia em guerra. Aécio estava sumido há meses e meses
do noticiário. Aí a justiça fica aborrecida com ele, mas em menos
de dois dias ele deu a volta por cima.
RAYMUNDO
FAORO, MAX WEBER e ÉMILE DURKHEIM:
- Bom, isso aí já foi um pouquinho mais inteligente. Mas faltou
comentar o detalhe da foto dele no thumbnail do vídeo do UOL,
politicamente isso o ajudou também. E o próprio título do vídeo.
Pegue os detalhes e os grandes detalhes. Guerra de propaganda é
divertida e quem tem amigos tem tudo.
– “Guerra
de propaganda é divertida e quem tem amigos…”
RAYMUNDO
FAORO, MAX WEBER e ÉMILE DURKHEIM:
- Anota, marmota!
O
auditório em que eu estava era na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais ou na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Não lembro. Foi
entre 2002 e 2006, durante a faculdade de jornalismo. Eu estava
acompanhando uma líder comunitária em um evento político. Mas não
lembro o nome dela.
O
que meu coração-memória quis guardar foi outro líder comunitário
de outro bairro pobre: o velhinho pacifista José Neto. Dele
eu lembro mais. E do diretor do colégio Princesa Isabel na época,
que não lembro o nome mas sei que era professor de matemática
porque uma vez eu conversei com ele sobre divisão por zero. Ele
combatia a violência no colégio abrindo o colégio para a
comunidade nos fins de semana. Aí eu me lembro de um dos conselhos
do Gustavo Ioshpe: a gente esquece de valorizar as diretoras e
diretores das escolas. Mas onde eu estava? Ah, sim, era um jornal
comunitário que esses líderes comunitários e meu professor
Eustáquio e alguns colegamos meus da faculdade de jornalismo
fazíamos. Escola em Ação era
seu nome. Muito orgulho de ter participado disso!
Sexta-feira,
26 de fevereiro de 2022. O Governo do Estado
de Minas Gerais reorganizou os leitos dos hospitais e agora não vai
ter essa classificação “leitos exclusivos para covid-19”. Nos
comentários os jornalistas da Rádio Itatiaia ficaram tão felizes
que deram uma indireta de isso significaria que para o Governo do
Estado de Minas Gerais a epidemia acabou ou, pelo menos, o pior já
passou depois de quase dois anos. Otimismo demais por parte dos
jornalistas? Lembro quando a epidemia começou, nos comentários dos
jornalistas da Rádio Itatiaia as vezes eles faziam comentários
venenosos sobre quarentena e o trânsito que continuava com
congestionamento por excesso de veículos… rs rs Guerra de
propaganda! Além de Aécio, a Rádio Itatiaia gosta muito também do
Governo Bolsonaro. Eu não sou muito sociável, mas sei que escolher
amigos é muito importante. Isso diz muito sobre a gente.
27
de fevereiro de 2022, meio dia e meia e uma da tarde. A
âncora da CNN Brasil já mandou para o brejo a imparcialidade por
causa do Putin falando em armas nucleares; mas a parte mais curiosa
veio agorinha mesmo: “Fica cada vez mais difícil a China ficar
neutra...”
Só
uma breve nota: neste começo da guerra a imprensa, querendo ser
imparcial, chegou a lembrar dos pecados dos Estados Unidos no
Afeganistão e nesta última Guerra do Iraque. Tudo
bem, situação nova; como as grandes potências vão se comportar
diante da agressão russa e etc. Etc. Só que nós somos latinos e a
memória da TV brasileira podia ter ido mais longe e perto: os
pecados dos Estados Unidos na América Central na década de 1980.
Não
sou especialista em política; li “Toda
Mafalda”
do Quino e “O
antigo regime e a revolução”
do Tocqueville, é
verdade; mas ainda me falta Platão,
Aristóteles e
Maquiavel; por
exemplo. Mas a gente usa as ferramentas que tem e que o mundo mais
facilmente nos colocou em mãos.
Filme
“The Search” (“The
Search”, 2014,
Bérénice Bejo,
Annette Bening,
Michel Hazanavicius,
Abdul Khalim Mamutsiev,
Maksim Emelyanov e
etc.)
Assisti
em um dos canais da família HBO. Há
um pouco mais de um mês. Há
pouco mais de um mês antes
da invasão russa.
Se não tem oficialmente título brasileiro deve ser difícil você
assisti-lo.
Mas, por outro lado, como minha família assina o pacote mais barato
do serviço por TV por
assinatura da Sky… Talvez não seja a você que me lê tão difícil
assim
encontrar e assistir a este
filme. Apesar dele parecer
não ter sido reprisado desde aquele dia em que eu o assisti.
Filme
maravilhoso e inesquecível! Inteligente e com uma narrativa
não-linear que no final nos surpreende. E que também nos faz olhar
para a Rússia com tristeza. Tão chocante quanto o sofrimento de
Hadji e sua família muçulmana
é a cena em que Kolia
conversa animadamente com o
seu colega (antigo
antagonista!) de exército
russo e nos fundos a gente fica vendo um prédio em chamas de um país
vizinho da Rússia. A Chechênia de 1999. É esta a Rússia de
Tchaikóski, Chekov,
Turguêniev, Tolstói,
Olga Afanasiyevna Raftopulo
e Ivan Kramskoy? Não
pode ser.
Por
favor por favor por favor por favor, assistam a este filme!
A
conquista da Etiópia –
sonho de um império,
de A.J. Baker.
1971.
Coleção
História
Ilustrada do Século da Violência,
Editora Renes, 1979, Rio de Janeiro.
(Barrie
Pitt,
Basil Liddell Hart,
Renaldo A.
Essisnger
e Armando S.
Campbell.
Publicado
originalmente pela Ballantine Books Inc., de Nova York, Estados
Unidos.
Mas
gostaria de destacar as mulheres da equipe
estrangeira: a diretora de arte Sarah
Kingham,
a pesquisa fotográfica perfeita foi a missão cumprida por Jasmine
Spencer
e Carina Dvorak.
Na equipe brasileira temos a Lília
Pinheiro Dias,
responsável pela revisão (junto com o Rubem
Martins Jorge).
Mas
não posso esquecer também
o tradutor brasileiro Edmond
Jorge.
Autodidata, ele traduziu tanto a
Nova Enciclopédia
Católica,
quanto a Química
Moderna.
E, claro, a maior parte desses livrinhos sobre guerra da Editora
Renes.
Li
este
livro há
muitos anos,
mas lembro bem bem de sua mensagem central: Mussolini invade a
Etiópia e a Liga das Nações fracassa em cumprir o seu papel. As
sanções e
o isolamento acabam
servindo de desculpa para que o italiano violento
se aproxima daquele alemão cujo nome me recuso a escrever aqui. Eu
fiz algumas anotações no livro e relendo-as fico chocado com as
atrocidades do exército italiano fez na Etiópia.
“Agora
que os italianos haviam ocupado Adis
Ábaba, as democracias esperavam que o Negus
se resignasse com o seu destino e, como o ato final já fora
representado, permitisse que o pano se fechasse. (Na verdade, a
Grã-Bretanha estava tão ansiosa por não ofender a Mussolini que,
quando Selassié
chegou a Gibraltar, foi transferido do cruzador Capetown
para um navio de passageiros comum – artifício de que se valeu o
governo britânico para evitar a cerimônia de recepção.)”
[Página
132.]
A
Europa e o mundo sabe o que é uma grande guerra, mas também sabe o
que quer? A OTAN sabe o que quer? A Rússia sabe o que quer? A
Ucrânia sabe o que quer? A gente sabe o que as famílias dos não
poderosos querem: viver em paz.
Esses
livrinhos antigos da Editora Renes sobre guerras são facilmente
encontrado em sebos ou livrarias que também vendem livros velhos. O
meu pai, professor de geografia e história interessando pela Segunda
Guerra Mundial, tem dezenas e dezenas desses livrinhos. Eu li alguns
deles com bastante proveito. Aproveito para recomendar uma das minhas
leituras inesquecíveis: O incêndio do Reichstag, do R.
John Pritchard. Se eu fosse diretor de cinema fazia um filme com
esta história.
11
de maio de 2022
Nem
se fosse de propósito ia ser tão coreografado. A depressão,
tristeza, auto sabotagem, hipocondria jurídica… Demorei semanas
para publicar este texto e justamente hoje… O tucano mineiro
realmente é poderoso.