terça-feira, 23 de março de 2021

Entre Santos, 1896

 

Entre Santos” (Várias Histórias, 1896)


O parentesco aqui não é com outro conto de Machado de Assis e sim com uma história do Novo Testamento: perdoo-te, mas agora vá e não peque mais; não entre numa igreja para mentir. Apesar da lição tão pesada de que não devemos mentir, ou pelo menos, tentar evitar mentir; é divertido imaginar que à noite nas igrejas os santos fiquem fazendo fofocas sacras a respeito dos fiéis que a frequentaram. Não minta, porque não adianta e você não precisa. Ah, sim; claro, lembrando o óbvio aqui: a descrição psicológica das histórias narradas no conto “Entre Santos” revelando mais uma vez a profundidade do conhecimento da alma humana que Machado de Assis possuía. Porque a pior mentira é a que você conta para… Para…. Você mesmo.


“— Que pessoa?

Uma pessoa mais interessante que o teu escrivão, José, e que o teu lojista, Miguel…

Pode ser, atalhou S. José, mas não há de ser mais interessante que a adúltera que aqui veio hoje prostrar-se a meus pés. Vinha pedir-me que lhe limpasse o coração da lepra da luxúria. Brigara ontem mesmo com o namorado, que a injuriou torpemente, e passou a noite em lágrimas. De manhã, determinou abandoná-lo e veio buscar aqui a força precisa para sair das garras do demônio. Começou rezando bem, cordialmente; mas pouco a pouco vi que o pensamento a ia deixando para remontar aos primeiros deleites. As palavras paralelamente, iam ficando sem vida. Já a oração era morna, depois fria, depois inconsciente; os lábios, afeitos à reza, iam rezando; mas a alma, que eu espiava cá de cima, essa já não estava aqui, estava com o outro. Afinal persignou-se, levantou-se e saiu sem pedir nada.

Melhor é o meu caso.”

Melhor que isto? perguntou S. José curioso.

Não há mesmo muita coisa a comentar sobre o conto profundo “Entre Santos”. Mas devo citar um trecho que nem é o mais sofisticado quanto à anatomia do coração, e lembrar também quanto é frequente as narrativas fantásticas em Machado de Assis. Eu supunha-o um escritor mais realista quanto aos seus enredos. Acho que isso vale mais para seus romances. Nos contos Machado de Assis sentia-se mais livre para criar? Parece que sim. Interessante. Ousaríamos concluir daí que se Machado estivesse aqui batendo um papo com a gente in loco ele poderia nos confessar que preferia os seus contos? Quem sabe? Vai ver alguma biografia, alguma carta pudesse esclarecer essa questão. Por enquanto estou lendo alguns de seus textos mais importantes, biografias e a fortuna crítica será de meu interesse mais acurado mais tarde.

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