segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

pequenas palavras, 2021

 

Os Gritos da Falta

Aldrin Iglesias


pequenas palavras, Amilcar Almeida, 2021.

(Páginas Editora, Belo Horizonte, 2021, primeira edição, edição e revisão: Cláudia Rezende; e projeto gráfico completo e belo: Deborah C. G. Rodrigues.)

[ Na parte dos créditos vemos dois endereços: www.paginaseditora.com.br e contato@paginaseditora.com.br .]



Estamos de volta aos livros e a cada universo que deles posso saborear a cada leitura. Depois de quase três meses de bloqueio violento para ler e escrever.

Para o desejo insaciável de comprar mais livros do que posso ler, a vergonha na cara e o amadurecimento evidentemente não foram suficientes. Mas um truque bobo de psicologia elementar foi a gotinha que me faltava. Simplesmente fiz uma lista grande de livros para ler em sequência e os tirei de minha estante na biblioteca comunitária e os coloquei juntos em meu quarto, no armário trauma de minha mãe. Ali, aqui, bem à minha vista sempre. Isso acalma minha fome, desejo de segurança que a acumulação de objetos parece proporcionar, vaidade intelectual e outros caprichos meus.

Umas notinhas explicativas: os meus livros estão todos na biblioteca comunitária, longe de mim. Meu quarto não é bem o meu quarto, assim como esta casa. Enfim, não vou dar detalhes de minha condição e de minha família. O armário trauma de minha mãe é um armário de madeira magro e velho que minha mãe colocou em meu quarto, depois de tirar o armário de metal normal que eu tinha colocado e organizado. O “trauma” é por causa da história que minha mãe quis me contar sobre o armário. Parece que quando criança minha mãe estava colocando as suas coisas neste armário, enquanto suas irmãs jogavam suas coisas na cabeça de minha mãe e riam e riam dela. Por quê minha mãe quis me contar isso? Por quê minha mãe quis ficar com esse armário que traz a ela essas lembranças dolorosas e cujo desenho baixo das estantes e a idade impede que o armário seja minimamente útil? Questões inúteis. Mas eu consegui colocar os livros para ler deitados nas estantes baixas e a visão constante deles me deixa estimulado. Então vamos lá.




É um livro de poemas de meu tio paterno Amilcar Almeida. Dos irmãos do meu pai ele é o mais doce. Quando eu era criança e minha família ainda morava no barracão atrás da casa de meus avós paternos e a casa de meus avós paternos ainda não tinha sofrido as suas duas reformas; eu via sempre sempre uma fotografia de meu tio com mochila acompanhado de uma estrada longa e vazia. Igual a capa do livro do Bill Gates A Estrada do Futuro (1995). É que uma vez meu tio pegou uma mochila e viajou por aí. Mas não lembro de uma vez eu ter conversado com ele sobre isso. A fotografia ficava pendurado acima do telefone antigo de discar. Deixe eu olhar na internet, espere um pouco… Ah, achei, acho que era esse mesmo: um telefone Ericsson antigo analógico. Você girava uma vez a cada número. Caramba, estou ficando velho!




Meu tio ainda não é um escritor famoso, então é tudo ali é humilde. Páginas Editora. Gostei do símbolo da editora: um casal com raízes saindo da cabeça. O homem é mais alto e usa um chapéu. Sei que é um homem e uma mulher por causa do desenho dos quadris. Eu gostei da capa. Ela é toda branca e lisa, mas há uma sugestão sofisticada de textura. Belo o trabalho gráfico da Deborah C. G. Rodrigues. O livro é fininho. Não é de capa dura, é de goma arábica acho. O papel de capa e do miolo ficaram perfeitos (papel-cartão supremo 250 gramas e papel pólen soft 80 gramas, respectivamente).




É um livro de poesia. Como se não bastasse ser de um parente, o livro é de poesia. Eu leio muito, desde de criança; mas principalmente prosa. Poesia… Poesia… Poesia é complicado porque é delicado. Parece que a ligação você-quem-escreveu o texto é mais rápido e íntimo. É frágil. Parece que quem escreveu a poesia é muito frágil porque se expõe demais. Mesmo quando a poesia é agressiva, ode, épica, política, fala sobre morte ou doença; parece que a poetiza ou o poeta estão pelados. E pelados só para você. Aí como é que você reage? Na maioria das vezes é mesmo um silêncio diplomático. E como se fosse pouco isso, a poetiza e o poeta estão pelado e falando outra língua! Não é simples entender poesia. Principalmente poesia moderna que frequentemente possui uma concisão as vezes excessiva. Além da fragilidade ainda tem isso. E se a gente interpretar o poema de maneira burra? Eu não quero poetizas e poetas pelados e bravos correndo atrás de mim.




Há texto de apresentação do autor e do livro. É de autoria de uma tia paterna.




Poemas que falam sobre solidão e falta. Muita solidão e falta. Muita solidão e falta. Muita solidão e falta. Muita solidão e falta. Difícil imaginar que um apartamento pequeno caiba tanta solidão e falta. E os lugares e objetos, banheiro e liquidificador por exemplo, parecem ecos dessa falta e solidão. Aqui e ali parece haver algum sinal de esperança; mas… Mas não há esperanças. Mas não há esperanças. Mas não há esperanças. Mas não há esperanças para tantos desejos e faltas em um dia e em um apartamento tão pequenos. É circular e angustiante. Eu sinto falta de ar enquanto concluo que a trilha sonora aqui deveria ser “I want you (she´s so heavy)”; composição de Lennon e McCartney. Termino a leitura rápido, antes que os espelhos e seus ecos cheguem para me morder e me culpar durante a leitura.

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