quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A Chinela Turca, 1882

 


Gradiente da luz nos cabelos da fotógrafa e a pergunta que o olhar do tocador de tuba nos provoca, “ele olha para mim ou para algum pensamento distante do Parque Municipal?”. Belo Horizonte, 2009. Assim como na fotografia anterior, eu estava sentado no chão, na grama, assistindo feliz a apresentação de corais latino-americanos em homenagem ao nosso Heitor Villa-Lobos.



A Chinela Turca” (Papéis Avulsos, 1882)


A chinela da mulher (“(…) o corpo, cujas formas aliás desenhava, pouco para os olhos, mas muito para a imaginação.”) é turca e o meu paralelo é alienígena. Sem vênia para a leitora ou o leitor, uma vez que o nome faz parte do nosso destino e o meu “Aldrin” foi inspiração paterna originária de um astronauta que foi à Lua.

É que pensei que, embora acabasse com nossa solidão, a descoberta de vida inteligente fora do planeta Terra também atingiria a nossa vaidade. O filho predileto, a funcionária que merece um aumento de salário antes da colega, o sorriso mais atraente da festa… E quem não é? Ser uma pessoa única. Ser um humano. Você não gosta, não é um milagre cujo único adjetivo que se acompanha é mesmo o “divino”? Por exemplo, me encontre uma Ninfa disposta também a salvar um macaco ou uma beterraba de algum major enfadonho que sonha tornar-se um artista! É bom nem tentar, pois é difícil mesmo. Lendo o conto “A Chinela Turca” aprendemos que somos todos especiais e enquanto escuto “Como Nossos Pais”, de Belchior na voz de Elis Regina; evito pensar na responsabilidade que acompanha o privilégio de ser um humano.


Achei “A Chinela Turca” um pouco mais bem escrito que “O Alienista” e também um pouquinho precursor de Kafka na parte do sonho.

É interessante os modos aristocráticos da época, naquele final do século XIX. Hoje, 2021, somos mais grosseiros no trato com as pessoas no dia a dia. Mas a hipocrisia e os desejos nossos; estes continuam os mesmos.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O Alienista, Papéis Avulsos, 1882

 

Uma das minhas fotografias favoritas. Belo Horizonte, 2009. Gosto desta fotografias por causa dos rostos, das expressões. Quantas histórias há aqui? Mistério.


O Alienista” foi o meu começo com o Machado de Assis. Apenas li Machado de Assis durante a faculdade de jornalismo, quando eu tinha mais ou menos 22 anos de idade. E o livro era “Dom Casmurro” e o motivo era que a capa era belíssima. Mas sobre este episódio falarei mais tarde, bem mais tarde. A questão é que não li Machado de Assis durante o colégio. Ou melhor, sequer me lembro se isso aconteceu. Na verdade os meus anos de colégio foram anos de dor intensa e não quero falar a respeito. Há uma lembrança vaga a respeito de alguma atividade ligada ao conto “Missa de Galo”, mas é só.


Bom, a questão do conto “O Alienista” é o seguinte. Nesta mesma época do colégio, talvez em 1997 ou antes, lembro-me de folhear um desses anúncios de livros que as editoras fazem. Você, leitora ou leitor, já deve ter visto. Uma reprodução pequena da capa do livro, o título, o nome do autor e uma sinopse brevíssima com letras miúdas, um catálogo impresso… Enfim, a lembrança é d´eu criança perguntando ao meu pai o que significava “alienista”, impressionado que eu estava com a capa realizada pelo artista plástico Jayme Leão. Desenho de um homem com barba e cabelo de Deus, expressão severa e apontando o dedo inquisitorial a nós (“Série Bom Livro” da Editora Ática; que também registra Fukuko Saito e Antônio U. Domiêncio como arte-finalistas da referida edição). E fiquei apenas nisso. Agora aos 37 anos eu vou ler as principais obras de Machado de Assis. Por uma questão cronológica “O Alienista” é justamente o primeiro texto.


O Alienista” (Papéis Avulsos, 1882)


Quase no final do conto Simão Bacamarte pergunta à esposa, familiares e amigos quem era ele, Simão Bacamarte. E isso é o início do fim trágico do conto.


A ciência torna-se perigosa se não souber olhar para si mesma, assim como G. E. Moore foi um filósofo medíocre por não olhar para si mesmo; como escreve meu Bryan neste trecho particularmente perturbador para mim de um livro que li e reli incontáveis vezes:

A falta de imaginação é quase total. Essa combinação específica é bastante familiar na vida acadêmica, mas a maioria das pessoas consegue pôr na sua obra o melhor de si (não o todo de si). Moore, entretanto, era dotado de uma extraordinária simplicidade de coração, ingenuidade e falta de constrangimento – todos que o conheceram parecem concordar a esse respeito –, e o resultado é uma espécie de auto-revelação despudorada na sua obra. Sua voz é semelhante à de uma criança inteligente que ainda não conhece nada do mundo, não tem nenhuma compreensão real de que possa haver pontos de vista diferentes dos seus e questiona o que os adultos dizem com uma inteligência desconcertante, embora sem consciência de si mesma, jamais pensando em dirigir o mesmo tipo de questionamento para suas próprias suposições.

(CONFISSÕES DE UM FILÓSOFO, de Bryan Magee; tradução de Waldéa Barcellos, Editora Martins Fontes, 2001).


Olhar para si mesmo, conhecer-se. Eu não sou uma criança, não sou o G. E. Moore e nem o Simão Bacamarte; mas aprendi com “O Alienista” que é fácil uma ilusão enganar a gente. Uma ilusão nos enganar. A facilidade de julgar o mundo antes de ser justo com quem nos olha pelo espelho todo dia de manhã quando acabamos de acordar… Ah! Mais humildade, mais silêncio.


O Alienista” é um conto maravilhoso. Uma boa porta de entrada para o universo de Machado de Assis. Muita coisa é mostrada sem ser mostrada, muita coisa é dita rapidamente em um poderoso exercício de concisão e é interessante conhecer um pouco como era algumas cidades do interior do Brasil do final do século XIX. Imagine um tocador de matracas reunindo a multidão para anunciar a melhor tesoura no mercado, as últimas notícias e o melhor discurso do ano… Que curioso e que lindo. Ah, e o trecho do conto sobre o livro de Averróis e a estante de livros é de partir o coração. A mim partiu.


A leitura do conto foi marcada por uma cena doméstica bastante comum aqui na casa de meus pais nestes últimos meses. É a minha vovó Ambrosina que ouço a cantar lá na sala onde ela assiste a uma missa católica. Levanto-me para vê-la. Ajoelhada ela está. A posição, a voz doce e fraca, a pele enrugada flácida e manchada de negro sobre um corpo tão pequeno e magro, o tempo e a morte pairando sobre esta casa silenciosa e melancólica; tudo tudo isso parte meu coração e tenho vontade de chorar. Não sou mais um neto distante, e sim próximo e carinhoso com ela. E já é assim há algum tempo. Isso consola-me, mas não muito. Te amo, vovó Ambrosina! Que Deus exista apenas para que pessoas como ela sejam protegidas. Minha vovó com a divindade, eu com a minha formação humanista.


Um tio materno visitou-nos hoje. Normalmente ou com quarentena por causa da Covid-19, não costumamos receber visitas aqui em casa. Fiquei assustado quando o meu tio disse a idade dele. O tempo passa. Olhe, Aldrin, quantos anos você tem. Quem é você? Pois é.

Esqueci

 Esqueci de um marcador.

A Bênção de Machado de Assis


 O nome da fotografia é Ache o Culpado. Foi feita em 2009 com um celular. A fotografia ficou pequena porque eu não sabia ainda mexer bem nos controles do celular.

De volta ao blog. Fiz uma lista de livros e de outras publicações para ler e aqui estarão publicados comentários. Começarei com o Joaquim Maria Machado de Assis. Mas também estou preparando alguns textos "de reserva", para facilitar este blog ser atualizado diariamente. É difícil, mas vou tentar.