quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O Alienista, Papéis Avulsos, 1882

 

Uma das minhas fotografias favoritas. Belo Horizonte, 2009. Gosto desta fotografias por causa dos rostos, das expressões. Quantas histórias há aqui? Mistério.


O Alienista” foi o meu começo com o Machado de Assis. Apenas li Machado de Assis durante a faculdade de jornalismo, quando eu tinha mais ou menos 22 anos de idade. E o livro era “Dom Casmurro” e o motivo era que a capa era belíssima. Mas sobre este episódio falarei mais tarde, bem mais tarde. A questão é que não li Machado de Assis durante o colégio. Ou melhor, sequer me lembro se isso aconteceu. Na verdade os meus anos de colégio foram anos de dor intensa e não quero falar a respeito. Há uma lembrança vaga a respeito de alguma atividade ligada ao conto “Missa de Galo”, mas é só.


Bom, a questão do conto “O Alienista” é o seguinte. Nesta mesma época do colégio, talvez em 1997 ou antes, lembro-me de folhear um desses anúncios de livros que as editoras fazem. Você, leitora ou leitor, já deve ter visto. Uma reprodução pequena da capa do livro, o título, o nome do autor e uma sinopse brevíssima com letras miúdas, um catálogo impresso… Enfim, a lembrança é d´eu criança perguntando ao meu pai o que significava “alienista”, impressionado que eu estava com a capa realizada pelo artista plástico Jayme Leão. Desenho de um homem com barba e cabelo de Deus, expressão severa e apontando o dedo inquisitorial a nós (“Série Bom Livro” da Editora Ática; que também registra Fukuko Saito e Antônio U. Domiêncio como arte-finalistas da referida edição). E fiquei apenas nisso. Agora aos 37 anos eu vou ler as principais obras de Machado de Assis. Por uma questão cronológica “O Alienista” é justamente o primeiro texto.


O Alienista” (Papéis Avulsos, 1882)


Quase no final do conto Simão Bacamarte pergunta à esposa, familiares e amigos quem era ele, Simão Bacamarte. E isso é o início do fim trágico do conto.


A ciência torna-se perigosa se não souber olhar para si mesma, assim como G. E. Moore foi um filósofo medíocre por não olhar para si mesmo; como escreve meu Bryan neste trecho particularmente perturbador para mim de um livro que li e reli incontáveis vezes:

A falta de imaginação é quase total. Essa combinação específica é bastante familiar na vida acadêmica, mas a maioria das pessoas consegue pôr na sua obra o melhor de si (não o todo de si). Moore, entretanto, era dotado de uma extraordinária simplicidade de coração, ingenuidade e falta de constrangimento – todos que o conheceram parecem concordar a esse respeito –, e o resultado é uma espécie de auto-revelação despudorada na sua obra. Sua voz é semelhante à de uma criança inteligente que ainda não conhece nada do mundo, não tem nenhuma compreensão real de que possa haver pontos de vista diferentes dos seus e questiona o que os adultos dizem com uma inteligência desconcertante, embora sem consciência de si mesma, jamais pensando em dirigir o mesmo tipo de questionamento para suas próprias suposições.

(CONFISSÕES DE UM FILÓSOFO, de Bryan Magee; tradução de Waldéa Barcellos, Editora Martins Fontes, 2001).


Olhar para si mesmo, conhecer-se. Eu não sou uma criança, não sou o G. E. Moore e nem o Simão Bacamarte; mas aprendi com “O Alienista” que é fácil uma ilusão enganar a gente. Uma ilusão nos enganar. A facilidade de julgar o mundo antes de ser justo com quem nos olha pelo espelho todo dia de manhã quando acabamos de acordar… Ah! Mais humildade, mais silêncio.


O Alienista” é um conto maravilhoso. Uma boa porta de entrada para o universo de Machado de Assis. Muita coisa é mostrada sem ser mostrada, muita coisa é dita rapidamente em um poderoso exercício de concisão e é interessante conhecer um pouco como era algumas cidades do interior do Brasil do final do século XIX. Imagine um tocador de matracas reunindo a multidão para anunciar a melhor tesoura no mercado, as últimas notícias e o melhor discurso do ano… Que curioso e que lindo. Ah, e o trecho do conto sobre o livro de Averróis e a estante de livros é de partir o coração. A mim partiu.


A leitura do conto foi marcada por uma cena doméstica bastante comum aqui na casa de meus pais nestes últimos meses. É a minha vovó Ambrosina que ouço a cantar lá na sala onde ela assiste a uma missa católica. Levanto-me para vê-la. Ajoelhada ela está. A posição, a voz doce e fraca, a pele enrugada flácida e manchada de negro sobre um corpo tão pequeno e magro, o tempo e a morte pairando sobre esta casa silenciosa e melancólica; tudo tudo isso parte meu coração e tenho vontade de chorar. Não sou mais um neto distante, e sim próximo e carinhoso com ela. E já é assim há algum tempo. Isso consola-me, mas não muito. Te amo, vovó Ambrosina! Que Deus exista apenas para que pessoas como ela sejam protegidas. Minha vovó com a divindade, eu com a minha formação humanista.


Um tio materno visitou-nos hoje. Normalmente ou com quarentena por causa da Covid-19, não costumamos receber visitas aqui em casa. Fiquei assustado quando o meu tio disse a idade dele. O tempo passa. Olhe, Aldrin, quantos anos você tem. Quem é você? Pois é.

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