sábado, 27 de fevereiro de 2021

Noite de Almirante, 1884


 

Mais aranha, mais aranha aqui nas fotos. Essa Salticidae gigante ficou brava com a minha atenção durante a sessão de fotos e olhou-me descontente expressando a sua desaprovação: “mamífero estúpido, pare de tirar fotos de mim!”.




                  Noite de Almirante (Histórias Sem Data, 1884)


Genoveva não errou, mas o Deolindo também não errou. E então? Então a simplicidade.


Foi bem antes de conhecer mais este conto clássico do Pai Machado de Assis. Foi quando pensava e pensava sobre o filme “Excalibur, A Espada do Poder” (Excalibur; Cherie Lunghi, Thomas Malory, 1981, John Boorman, Nigel Terry e etc). Eu gosto muito deste filme porque ele marcou a minha infância (os comerciais anunciando que ia passar o filme na televisão e a música do Carl Orff; explicando: eu só fui assistir mesmo o filme depois de adulto). Bom, uma das coisas que pensei foi sobre o significado de duas cenas com o cavaleiro da Távola Redonda Percival encontrando-se com Deus. Na primeira cena ele foge, mas no segundo encontro com Deus ele não sente medo. Uma diferença visível é a roupa dele. Quando foge Percival está usando a sua armadura; mas na segunda vez ele veste apenas uma ceroula (aquela cueca gigante, que mais parece uma calça de pijama). Ora, diante de Deus e sua onipotência obviamente o uso de uma armadura é inútil. Diante de Deus você não mente, você não pensa em usar um escudo para proteger-se; você tem que ser sincero, coração sincero, peito exposto, peito totalmente exposto. Para o que der e vier. Tem que ser simples.

Diante da Deusa ou de Deus ou dos Deuses ou de Atma… E também diante do Amor, do Desejo… Tem que ser simples. Você tem que ser simples.

Isso nos cura da possibilidade de chorar na cama pensando nos dois juntos? Isso nos cura dos vexames públicos motivados pelos ciúmes? Isso nos cura da vontade de escutar The Smiths e Raimundo Fagner o tempo todo? “A lógica sabe ser mais simples que a vida”, ensina meu amado Will Durant; mas qual é a alternativa? Vamos sofrer porque a Genoveva apaixonou-se pelo José Diogo? Sim, mas não muito. Mas não muito. Dê a caixa de presentes, dê um “adeus” e saia Deolindo. Mantenha o nível, a elegância, a classe; leitoras e leitores.


Vede que estamos aqui muito próximos da natureza. Que mal lhe fez ele? Que mal lhe fez esta pedra que caiu de cima? Qualquer mestre de física lhe explicaria a queda das pedras. Deolindo declarou, com um gesto de desespero, que queria matá-lo. Genoveva olhou para ele com desprezo, sorriu de leve e deu um muxoxo; e como ele lhe falasse de ingratidão e perjúrio, não pode disfarçar o pasmo. Que perjúrio? Que ingratidão? Já lhe tinha dito e repetia que quando jurou era verdade. Nossa Senhora, que ali estava, em cima da cômoda, sabia se era verdade ou não. Era assim que lhe pagava o que padeceu?

O conto “Noite de Almirante” é muito interessante. Tem um pouco de sociologia: gente humilde, casas humildes, religiosidade popular, a possibilidade de gente humilde de entrar na marinha a assim ganhar respeito e um futuro melhor… Assim como “Teoria do Medalhão”, ele é simples do ponto de vista lírico; mas rico do ponto de vista filosófico.


Antes de retirar-me, era o caso de confessar que estou escutando sem parar “A Saudade Mata a Gente” (João de Barro Braguinha e Antônio Almeida) na interpretação do sempre sofisticado Emílio Santiago? Talvez não. Só imagino, lá no Hades, o Machado de Assis e o Will Durant sorrindo para mim.

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