terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Teoria do Medalhão, 1882


Foi chocante e assustador; mas também foi “jornalístico”. No apartamento de minha avó materna, testemunhei uma enchente forte que atingiu aquele conjunto habitacional e realizei algumas fotografias. Conjunto João Paulo II, Barreiro, 2009. No dia seguinte toda a água da noite e madrugada já tinha ido embora, o que por si só é um fenômeno a mais que impressiona. Assim como a destruição que essa mesma água deixou. Marcou-me particularmente o drama de uma floricultura da região, atingida duas vezes pelas enchentes e que ainda foi roubada pelas pessoas insensíveis ao drama dos donos dessa floricultura.


Teoria do Medalhão (Papéis Avulsos, 1882)


Você sabe quem é você? Difícil, mas se você não sabe, é bom aprender a mergulhar no mar. Pois se você não conquista a glória imortal sendo você neste mundo, você pode alcançar a glória imortal sendo ninguém. Uma gota de água se parece com outra gota de água ali, mas, pelo menos, o mar sempre vai estar ali.


Já na década de 1880 o que viria a ser conhecido como “sociedade de massas” já mostrava os dentes e garras aos espíritos mais perspicazes da época. Como o nosso Pai Machado de Assis neste conto “Teoria do Medalhão”. Falei em “mar”, mas podemos usar, - com o perdão ao Hesse e ao seu “Sidarta” -, a imagem do “rio”. Se deixar levar pelo rio das massas anônimas em seu mundo de luzes fortes e efêmeras e dos óleos das máquinas que nunca dormem; sem a responsabilidade pesada de ser originalmente humano.

Conversar sobre a participante mais nervosa de um programa de televisão, sobre um deputado corrupto, a descoberta científica da semana; tudo histórico e tudo cabendo em um jornal de ontem amassado no lixo… Tudo vindo, tudo indo… Pegue uma boia para não se afogar e seja um medalhão. Ou o trecho sobre o trem de passageiros de “O Pequeno Príncipe”, de Exupéry. Mas talvez o parente mais próximo, por ser brasileiro inclusive, do conto “Teoria do Medalhão”, seja o conto “O Homem Que Sabia Javanês”; do Lima Barreto. Palavras pomposas e vazias, fingir entender concordar a respeito da última moda intelectual vinda de Paris ou Nova York ou do Rio de Janeiro…

Quando as grandes metrópoles nasceram o humano ficou menor. E hoje? Não vou falar das supercidades, mas da rede mundial de computadores. Na internet todo mundo fala, todo mundo de expõe; e quem se comunica? Parece ser apenas barulho e barulho.


Tu poupas aos teus semelhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes simplesmente: Antes das leis, reformemos os costumes! - E esta frase sintética, transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritos como um jorro súbito de sol.

Vejo por aí que vosmecê condena toda e qualquer aplicação de processos modernos.

Entendamo-nos. Condeno a aplicação, louvo a denominação.”

Sou um juiz suspeito aqui, pois achei a “Teoria do Medalhão” o conto mais fraco do ponto de vista lírico dos contos que já li do Pai Machado de Assis; mas provavelmente assim julguei porque estou com vergonha de ser muito mais velho que o Janjão e estar tão tão tão longe da independência de um adulto.

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