sexta-feira, 28 de maio de 2021

Coma seu Pão

Coma seu Pão

Adagiário Brasileiro”, de Leonardo Mota, 1979; com a ajuda dos filhos Moacir Mota e Orlando Mota.

(Editora Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1987, Segunda série da coleção “Reconquista do Brasil”. Volume 115. Capa do artista plástico Poty, ilustrações internas do artista plástico Aldemir Martins e prefácio de Paulo Rónai.)



"Lágrimas com pão passageiras são."
A pergunta aqui é, naturalmente, onde está o nosso “pão” para poder suportar melhor as nossas lágrimas… 
- O “pão” está bem abaixo do seu nariz, ingrato! Tem gente vivendo muito pior do que você e etc.
De fato, tem muita gente com barriga cheia e mesmo assim reclamando demais. Mas deixando de lado esse materialismo, penso que uma pessoa religiosa deveria ser, entre outras coisas, uma campeã de gratidão. Pois para mim é claro que a divindade nos forneceu mais do que o suficiente: a nossa vontade livre e irmãos ao redor. Pelo menos me parece. E nem sou dos mais sociáveis e solidários por aí. E nem ao menos tenho religião; mas me considero “espiritualizado”. Como naquela citação famosa: saber sei pouco mesmo, mas desconfio de muita coisa. Enfim, sei lá. Nessa pandemia eu aprendi a fazer pão. Contei para você? Mas foi só uma vez e apesar de ter anotado em um caderno azul, sei que repetição é importante.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

O Dia do Ceará

O Dia do Ceará

Adagiário Brasileiro”, de Leonardo Mota, 1979; com a ajuda dos filhos Moacir Mota e Orlando Mota.

(Editora Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1987, Segunda série da coleção “Reconquista do Brasil”. Volume 115. Capa do artista plástico Poty, ilustrações internas do artista plástico Aldemir Martins e prefácio de Paulo Rónai.)



Justiça do Ceará te persiga!
(Referindo-se aos ouvidores Antônio Loureiro de Medeiros e José Mendes Machado, que serviram no Ceará, em 1728, diz o historiador João Brígido, à página 397 de Ceará – Homens e Fatos: - “Da conduta desses juízes se originou o adágio que ainda hoje dura: - “Justiça do Ceará te persiga!””)”
Caso raro de adágio que tem história bem definida. Quais são as chances de ler o livro do historiador João BrígidoCeará – Homens e Fatos”? E de um dia eu visitar o Ceará? Ah… O Brasil é tão grande e eu, em tantos os sentidos, tão pequeno… Mas um dia… Mas um dia…

terça-feira, 25 de maio de 2021

União Latina


Integrante do Grupo Musical UNIÓN LATINA. Belo Horizonte, 2010. Um dos vários shows durante a "Feira de Artesanato do ExpoMinas". Eu e minha família participamos duas ou três vezes desta importante feira. Esta foto é perfeita.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Voltaire na Academia, 1746

 POETAS SÃO PROFETAS 

(VOLTAIRE NA ACADEMIA)


Excerto do Discurso de Recepção de Voltaire na Academia Francesa

Pronunciado em 9 de Maio de 1746.

(Tradução de J. Brito Broca)



“Selecções”, Voltaire. Prefácio de Wilson Lousada. Volume 32 da coleção “Clássicos Jackson” (W.M. Jackson Inc. Editores, São Paulo, 1952.)


1952, héin? O livro está bem conservado, apesar das fitas adesivas que tive que colocar nas dobras externas e internas em quantidade razoável.


1952, héin? Ler um livro antigo é sempre um prazer. “Selecções”! (risos) Aqui não há marcas dos antigos donos, como assinatura ou comentários nas margens. Será que este livro nunca foi lido e tenha “se machucado” na lombada e capa por causa do modo como ele foi guardado? Injustiça a ser vingada, cavalheiros irmãos! Enquanto sinto cheiro de livro velho, hipnotizo-me pelo tipo de letra utilizado e deslizo meus dedos pelas páginas que as décadas pintaram de marrom claro; eu penso no que este volume deve ter enfrentado em sua história até chegar às minhas mãos.


Coleção Clássicos Jackson. Esta coleção é bastante comum de vermos em sebos. Depois você repare: marrom escuro, capa dura, quadrado na parte de cima da lombada com o título e o autor, desenho da cabeça de um guerreiro da Grécia Antiga na parte debaixo da lombada. Ela deve ter feito bastante sucesso na sua época. Eu tenho outro volume da coleção, esta dedicada ao teatro grego clássico. As peças de teatro estão lá com os textos integrais, diferente deste volume em que as obras de Voltaire tem apenas trechos selecionados. Pode parecer chato, mas algumas obras só assim eu teria acesso; como por exemplo a monumental “Ensaio sobre os Costumes e o Espírito das Nações”. Acho difícil esta obra aparecer na íntegra em português. Mesmo porque apesar da popularidade e respeito no meio acadêmico e mesmo popular, o meu Voltaire não é assim tããão tããão querido para merecer tanta boa vontade por parte das editoras brasileiras.


Voltaire é um dos autores que eu mais amo. Um dos meus dez maiores meeesmo. Aprender com ele é um prazer. Este texto, o discurso em que ele fez na sua recepção para posse na Academia Francesa, é importante para ele por vários motivos. Patrióticos (como bom francês) e também por revelar algo daquela sua paixão por aprender, divulgar conhecimento e trabalhar a língua.

E se é importante para o Voltaire, é importante para mim também. De modo que antes do texto em si, como homenagem, que tal uma citação como preparação? E faz sentido, pois é do livro onde aprendi a amar Voltaire.


Em 1745, o poeta e sua matemática foram para Paris, quando Voltaire se tornou candidato à Academia Francesa. Para conseguir essa distinção inteiramente supérflua, ele se disse um bom católico, elogiou alguns jesuítas poderosos, mentiu incansavelmente, e em geral portou-se como a maioria de nós faz nesses casos. Fracassou; mas no ano seguinte conseguiu, e fez um discurso de posse que é um dos clássicos da literatura da França.

(A matemática a qual há referência no trecho é a Madame du Chatelet, mulher brilhante com a qual Voltaire viveu uma importante relação amorosa.)

Will Durant em “História da Filosofia” (1926). Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. Editora Nova Cultural, 2000, São Paulo, SP; parte da coleção “Os Pensadores” (a edição verde-escuro com detalhes em dourado).


Mas antes do discurso, eu preciso comentar o prefácio do Wilson Lousada. O texto do Wilson é excelente, muito informativo. Algumas notas, vamos lá.

Voltaire é um autor mal compreendido. Demônio, santo? Devemos começar lembrando onde ele nasceu e cresceu: uma França absolutista e reacionária.


– Um liberal confiante.


– Confiante no progresso humano e um crítico secular. Não queria uma revolução, mas combatia a miséria e o fanatismo.


– Tão conservador quanto se espera de um homem rico que quer manter sua vida de luxo. Mas também humanamente contraditório em suas opiniões e atitudes. Muitas vezes, por exemplo, renegava os seus textos para agradar seus amigos nobres.


– Um homem de sua época, principalmente diante da religião. Naquela época a religiosidade tornou-se mais particular e íntima; ao mesmo tempo que o clero católico e a política tinham uma união não muito democrática. Voltaire era um deísta e isso também marca sua posição diante dos trabalhos metafísicos dos filósofos.


– Veio de uma família não muito feliz. O pseudônimo “Voltaire” talvez tenha sido adotado também por demonstrar um afastamento da família. Do pai: praticidade e o gosto pelo luxo. Da mãe: graça e intelecto. Da escola jesuíta: o desejo de aplausos.


– Neste desejo por aplausos e reconhecimento, Voltaire exibia uma dose considerável de ingenuidade. Ingenuidade mesmo! Em uma interpretação de fundo psicológico: a origem era a falta de reconhecimento de suas qualidades quando vivia na casa da família?


– Tinha a alma de um jornalista, de um divulgador. Dizer o que pensa sobre o mundo que ele conhecia e que queria conhecer cada vez mais.


- “Cartas Sobre os Ingleses” ocupa uma posição central na obra de Voltaire. Em um autor tão produtivo e contraditório, é naquele livro que poderíamos chegar perto de dizer “ali há um resumo de seu pensamento, o coração de sua visão de mundo”.


– Entre os autores que Voltaire mais admirava, devemos lembrar de um nome pouco conhecido hoje: o inglês Bolinbroke. Irmão de intelecto mesmo.


– Não era muito fã do “povão”, não próximo da gente humilde; mas desejava o fim da miséria. Que, pelo menos, a elite fosse mais inteligente.


– Experiências de física e química, amor pela Madame du Chatelet (ela, por sua vez, uma apaixonada por matemática), prisão na famosa Bastilha, fugas e agressões sofridas no meio da rua. Antes da calmaria na Suécia, a vida de Voltaire foi intensa.


– E esta residência na Suécia, a Les Délices, transformou-se no centro do saber de toda uma Europa que está se transformando radicalmente.


– Contraditório, sedento por luxo e aplausos, conservadorismo político em maior grau do que se espera de um iluminista, de um caráter muitas vezes realmente frívolo; mas no “Caso Jean CalasVoltaire encontraria a redenção.


 – Finalmente um moralista burguês, um racionalista, um liberal; em defesa da liberdade e de Deus.


E quando digo aqui, senhores, que foram os grandes poetas que determinaram o espírito das línguas, nada avanço de vós desconhecido. Os Gregos só escreveram a história quatrocentos anos depois de Homero. A língua grega recebeu deste grande pintor da natureza a superioridade em que se colocou ante a de todos os povos da Ásia e da Europa. Foi Terêncio quem, entre os Romanos, falou pela primeira vez com pureza elegante; foi Petrarca quem, depois de Dante, deu à língua italiana essa amenidade, essa graça que ela tem sempre conservado; a Lope de Vega deve o espanhol sua nobreza e sua pompa; foi Shakespeare quem, embora bárbaro, emprestou ao inglês a força e a energia que ninguém pôde aumentar, depois, sem violentá-la e, por conseguinte, sem enfraquecê-la. De onde vem esse grande privilégio da poesia de formar e fixar, afinal, o espírito dos povos e das respectivas línguas? A causa é manifesta: os primeiros versos bons, e mesmo os que o são apenas na aparência, gravam-se na memória pelo efeito da harmonia. Seus volteios naturais e ousados se nos tornam familiares. Os homens, imitadores natos, adquirem insensitivamente a maneira de exprimir e mesmo de pensar dos primeiros cuja imaginação dominou a dos outros. Não concordais, senhores, se eu vos disser que o verdadeiro mérito e a reputação de nossa língua começaram com o autor do Cid e de Cinna?” 

O destino da língua francesa. Naquele ano, 1746, uma parte razoável da Europa já estava familiarizado com a língua francesa. Ainda não era a “língua culta” ou “segunda língua”, para isso ainda falta poucos anos; mas o prestígio já era bem grande. Mesmo assim, Voltaire tem pressa. Como bom francês, naturalmente. Mas, repitamos, no Vaticano e na Rússia, a língua francesa já fazia sucesso. Mas como? Como uma língua amadurece e rompe fronteiras?

A poesia, o conhecimento do cotidiano das pessoas comuns. O conhecimento, também, dos clássicos: no caso francês: Malherbe, Corneille e Montaigne. Conhecer estes e respeitando as obras deles dar passos adiante. Prestar a atenção na cultura: o nosso teatro vai bem? As nossas escolas, como elas vão? Língua deve ser motivo de prioridade, tanto quanto as fronteiras de uma nação. Isso não é brincadeira de um político em campanha eleitoral, é a verdade mesmo.

E aqui no Brasil? Na década de 1970 aconteceu uma coisa que em qualquer livro de Geografia do colégio aparece devidamente explicado: o crescimento desordenado das cidades. A terra do campo fica nas mãos de poucos e as cidades ficam com gente demais. Não acho que seja preciso detalhar-me aqui para você que me lê: hospitais lotados, saneamento básico não chegando às casas já precárias, transporte público cada vez mais deficiente… E as escolas. Uma imprensa em crise de identidade por causa da internet e crise econômica. Bom bom, e quem defenderá a língua portuguesa se a situação esta assim? A língua é algo dinâmico e se mistura e se transforma mesmo; mas um pouquinho de cuidado no trato. Não é? (risos) Só mais um pouco mais de carinho. E, talvez, quem sabe, programar assistir a um sarau de poesia e assim testemunhar ao vivo o futuro ser anunciado. Pois aprendemos com Voltaire que na poesia uma língua decide livremente o que fazer com sua vida.