terça-feira, 10 de outubro de 2023

Crise Israel-Palestina, outubro de 2023


 

Crise Israel-Palestina, outubro de 2023

 

Uma ocupação que já dura 35 anos. Uma política de anexação e aniquilamento de uma nação, com assentamentos de colonos que paulatinamente vão estrangulando o território palestino; já são 66 as colônias judaicas na Palestina. Uma política de aniquilamento da economia, de confisco de terras e fontes de água, preciosas numa região árida. Uma política de repressão, de negação de direitos civis, prisão de líderes, de intelectuais, fechamento de universidades, toque de recolher e instalação de postos militares que impedem a livre circulação da população no seu próprio país. Um êxodo estimulado: só no primeiro semestre de 2002, 80 mil palestinos abandonaram a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. E uma imposição inédita na história de qualquer ocupação já ocorrida na humanidade: o invasor exige garantias de segurança do invadido.”

(Deus é inocente: a imprensa, não (2002); de Carlos Dorneles. Quarta reimpressão (2005), Editora Globo, São Paulo, São Paulo. Página 238. Sinto a obrigação de dar os créditos a Roberto Kazuo Yokoda, pela sua belíssima capa. Uma das mais bonitas que tenho em minha biblioteca pessoal. As fotografias são do banco de imagens Corbis Stock Photos.)

Percorrendo a Terra com seu carro cheio de mentiras, astúcias e enganos, Hermes examinava a carga para distribuí-la igualmente entre todos os povos. Mas, quando chegou à Arábia, o carro quebrou-se inesperadamente. Os habitantes pilharam a carga como se se tratasse de bens preciosos e o deus interrompeu ali sua viagem.

Entre todos os povos, os árabes são os mais espertos e mentirosos: a verdade não fala por sua boca.” (O Carro de Hermes e os Árabes)

(Fábulas; Esopo. Tradução de Antônio Carlos Vianna. 1997; minha edição é de 2002. Página 92. Editora L&PM. Porto Alegre, Rio Grande do Sul.)

Depois desta demonstração adolescente de imparcialidade, peço a devida vênia aos justos e às almas sebosas de ambos os lados. A minha carne é fraca. De qualquer forma, se alguém achou graça eu continuo e recomendo o romance O Grande Líder, do escritor Fernando Jorge. O personagem principal é um político ambicioso e inescrupuloso; em determinado momento, em busca de apoio, ele vai a reuniões ora de judeus e ora de árabes, criticando um grupo quando está diante de outro grupo. É um romance muito gostoso de ler. Fernando Jorge até chega a ser relativamente famoso, mas evidentemente estamos esperando ele encantar-se para darmos a ele os seus devidos louros. Coisas do Brasil.

 

 

Antes de tudo; os meus sentimentos às famílias e amigos dos mortos e feridos dessa crise Israel-Palestina-outubro-2023. Antes de tudo; que sessem imediatamente as hostilidades e que se comecem as negociações; ou a vitória na Terra Santa é sinônimo de eliminação completa de um lado?

 

 

Com todo o respeito, mas os números oficiais da guerra fornecidos por Israel estão sendo repetidos pela imprensa sem questionamento. E por que essas menções precipitadas desde o início da crise ao Hezbollah e ao Irã na televisão? É para a opinião pública mundial começar a se acostumar com a ideia do que exatamente? Um conflito armado, mesmo que “pequeno” ou “médio”, contra o Irã por parte de Israel e Estados Unidos seria um recado à Rússia e China, também? Como disse o personagem de Sean Penn Cheyenne no filme maravilhoso “Aqui é o meu lugar” (This must Be the Place, 2011, Paolo Sorrentino, Umberto Contarello, Olwen Fouéré, Judd Hirsch e etc.): “Há alguma coisa muito errada aqui; eu não sei o que é, mas que há, há.”

 

 

É impossível ignorar que Joe Biden e Benjamin Netanyahu estavam vivendo crises políticas agudas em seus governos e um ataque injusto externo estimula o patriotismo e uma trégua política interna.

“A comunidade internacional demonstra apoio e blábláblá...”. Por “comunidade internacional” leia-se os países ricos de sempre: Inglaterra, Itália, França e... Espere um pouco, que países europeus estão tendo crises migratórias principalmente com pessoas... Ah... E por último, mas não menos importante, a parcialidade e falta diversidade da imprensa brasileira: as imagens são as mesmas da CNN Internacional e os entrevistados são os mesmos. Só ontem, dia 9 de outubro, na tv lembraram-se de entrevistar uma liderança árabe no Brasil aparecendo para dizer que a comunidade não apoia a violência. A CNN Brasil, inclusive, tem uma posição tão pró-Israel que chega a ecoar a crítica rasteira de alguns bolsonaristas que acusam o Governo Lula de não ser justa com Israel. Eu sou formado em jornalismo e me sinto obrigado a aqui a investir em um contexto: desde a cobertura da imprensa na Guerra do Vietnã (1955?-1975) e na tentativa de invasão dos Estados Unidos ao Camboja (1970) influíram radicalmente na política, a cobertura imparcial de grandes conflitos armados ficou cada vez mais difícil e raro. Queda na cobertura dos conflitos da América Central em meados do início dos anos de 1980. E na Primeira Guerra Estados Unidos – Iraque, início dos anos de 1990, só restou às imagens das luzinhas verdes. Na invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão e na Segunda Guerra Estados Unidos – Iraque, em meados dos anos 2000, o negócio foi completamente patético. Jornalismo virando eco dos poderosos.  Então, em 2023, a imprensa vai mostrar o que aconteceu na Faixa de Gaza e em Israel realmente?

Dito isso, algumas perguntas de caráter socrático mesmo, dado que não sou especialista. Mesmo porque, em se tratando de guerra, é difícil que alguma informação seja confiável.

Benjamin Netanyahu vai destruir a Faixa de Gaza como Ariel Sharon destruiu a Cisjordânia nos anos 2000?

Por que os palestinos não conseguem encontrar lideranças que sejam ao mesmo tempo justas e fortes? Se antigamente acusavam Arafat de corrupto, hoje dizem o mesmo do Abbas. Mais do que isso, ambos eram fracos politicamente (Arafat nos últimos anos, eu lembro, era fraco). Aliás, nem lembro quando foi a última vez que vi o Abbas na televisão ou li sobre ele. Nem o Abbas e nem toda a Cisjordânia, para ser franco. Não é só a cobertura incompetente e preconceituosa da imprensa brasileira ou é?

Os palestinos árabes são amados por outros árabes e mulçumanos? Quer dizer, o Egito não é tão pobre assim e a Faixa de Gaza é quase uma cidade média. Não seria fácil para o Egito, sozinho, transformar a Faixa de Gaza em um lugar próspero? E o Egito é aliado de Israel. Assim como a Jordânia também é aliada de Israel. A Jordânia ajuda com sinceridade o povo árabe palestino a ser próspero com sinceridade na Cisjordânia?

Os árabes se sentiram traídos pelos ingleses durantes as negociações no fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)? Também as negociações no fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e um episódio como o Plano Madagascar levaram os judeus à impressão de que, apesar de todo apoio dos Estados Unidos e outros países poderosos, em última análise eles estão sempre sozinhos?

 

 

Existe um documentário francês muito bom chamado “Palestina – A História de uma terra”. Passava na TV Escola. É ligeiramente favorável aos árabes, mas também é sincero e bem feito. Vale a pena assistir. E tem o livro “A Guerra dos Seis Dias” do A. J. Baker, parte da série lendária da Editora Renes. Ah, Editora Renes... Para obedecer à coerência, li este livro sobre a Guerra dos Seis Dias em um dia.

E antes de terminar mais este texto meu que vai salvar o mundo, deixe-me expressar o desespero meu de saber que a proibição do casamento homoafetivo avança rápido em Brasília. Falta Amor no Oriente Médio e falta Amor em Brasília. Precisamos de mais Amor.

 

 

 

domingo, 8 de outubro de 2023

8 de outubro de 2023

 


Esta fotografia é falsa, na maioria das vezes meu pai nunca foi para mim um sorriso espontâneo. Ao contrário, meu pai era sinceridade espinho e silêncio enquanto eu estava no escuro e me afogando. Acho que nunca consegui escutar o meu pai e nunca consegui falar com ele. Esta fotografia é verdadeira, meu pai sempre foi um menino que não sabia ser pai então para se proteger usou a sinceridade selvagem e o perfeccionismo e a coerência como escudo divino porque achava que era o correto como método. Pobre pai, queria tanto que ele fosse feliz e menos sozinho.

sábado, 7 de outubro de 2023

Antologia do Folclore Brasileiro 3 de 25

 

Antologia do Folclore Brasileiro 3 de 25

 

 

 

Mas olha a biografia do Anthony Knivet (?-?)! Caracas bicho meu irmão!

Pirata e saqueador da turma do Tomaz Cavendish vindo aqui para as colônias espanholas por volta de 1591. Chegou até Santos. Nessas idas e vindas ficou doente. Foi abandonado na baía de Guanabara. Caiu nas garras do governador Salvador Correa de Sá, que não era um patrão muito melhor que Cavendish. Virou pouco mais que um escravo. Caçando, pescando, aproveitando as expedições para escravizar indígenas para fugir na primeira oportunidade. Tentava sempre. Tentou mil vezes e foi recapturado mil e uma. E toda vez que era recapturado, apanhava e era humilhado. Uma vez conseguiu fugir até Angola, mas até na África foi recapturado. Em 1602 foi a Lisboa na comitiva de Salvador Correa de Sá como intérprete. Ficou doente e se recusou a voltar ao Brasil. Foi punido e foi morar na Inglaterra. Não se sabe como chegou à ilha britânica, se porque foi libertado ou se conseguiu sua derradeira fuga. Contou sua história brasileira em um livro de sucesso. Não se sabe quando e onde morreu.

 

 

Nos buracos da face, pedras verdes. Era o rei canibal Morubixaba. Gritava, batia no peito e nas coxas e ia de um lado para o outro. A descrição de Anthony Knívet é deliciosa: o rei canibal gritava “como se houvera perdido o siso”. Lembrando que aqui “siso” pode ser o dente ou a razão mesmo. Mas o final dessa história guaianás é feliz.

 

 

Na antiga Grécia ou na antiga Roma, ou entre os índios do Ivo D´Evreux (1577-1629); a vestimenta certa é um estímulo poderoso para o soldado ir à guerra.

 

 

Como convencer as formigas tanajuras saírem das tocas para serem capturadas e assadas e comidas? Ora, é fácil. Você canta.

Vinde, minha amiga,

Vinde ver a mulher formosa,

Elas vos dará avelãs.

 

 

Esta anuncia a chuva, aquela também anuncia a chuva e esta outra também anuncia... a chuva. As três constelações que os tupinambás do Frei Claude d´Abbeville (?-1616) conhecem com nomes próprios. A maioria das estrelas eles chamam genericamente de jaceí-tatá.

O quê? Querem saber o nome indígena das três constelações que anunciam as chuvas? Não digo. Apenas destaco que é evidência da importância das chuvas para aqueles índios.

- Mas isso é óbvio, não?

Não, branquelo da cidade grande que nem sabe o que é seca de verdade; não é.

(Correção-2023: “branquelo da cidade grande que nem sabe o que é seca de verdade ainda”.)

 

 

Ainda a água, ainda a chuva. Muitas vezes acontece, depois de uma grande tempestade, a lua nascer vermelha nos céus. É por causa das feridas causadas pela estrela vermelha-cachorro januare que sempre persegue a Lua. Mas principalmente significa a proximidade da morte. Os homens ficam felizes porque vão reencontrar os avós guerreiros. Mas as mulheres tem medo da morte, então choram alto protestando.

 

 

Os tupinambás conheciam bem o céu estrelado. Planetas e fases da lua. Marés e o sol e as estações. Claro que com outros nomes e com os seus mitos, como explicação. Claro, claro.

Ao mesmo tempo que quero destacar a estrela que se chama “menino que bebe manipol” (conomimanipoere-uare), quero observar  que devemos reforçar o respeito pelo conhecimento pré-científico de astronomia por parte dos tupinambás.

 

 

Um trecho preconceituoso senhores Frei Claude d´Abbeville e Des Vaux? Hum... Mais respeito à autoridade dos pajés.

 

 

Era jovem e mesmo assim Jorge Marcgrave (1610-1644) foi o espírito mais completo que a ciência teve no século XVII (1601-1700). Etnógrafo, astrônomo, antropólogo, meteorologista e etc., como era comum numa época que a ciência era mais aventureira e ainda não estava dividida entre tantas disciplinas.

 

 

Jorge Marcgrave era brilhante, sem dúvida, mas a religiosidade indígena o confundiu quando ele esteve no Brasil. Tem rituais, mas não religião? Não conhecem Deus, mas falam em Tupã? Fala que os índios acreditam em céu e inferno, mas depois que não acreditam em alguma ideia de céu ou inverno. Não há veneração e cerimônias, mas fala do tronco de madeira enfeitado para os espíritos e as cerimônias dos sacerdotes.

A incoerência eu debito no fato que, de fato, era outro mundo, outra língua, praticamente outro universo que Marcgrave estava diante de si. Ele usava os “óculos” europeus de que dispunha. Via e não via o que via. Era mesmo difícil para ele.

 

 

 

Livremente inspirado em Antologia do Folclore Brasileiro, 1944, organizado pelo

Professor dos professores,

o mestre dos mestres,

a mistura de Aristóteles e poesia,

a mistura do luar que perfuma o rio Potengi com o sol que vivifica o Rio Grande do Norte:

Luís da Câmara Cascudo.

(2003, Global Editora e Distribuidora Ltda, São Paulo, edição em dois volumes.)

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