segunda-feira, 8 de março de 2021

Um Apólogo, 1896

 

Um Apólogo” (Várias Histórias, 1896); Machado de Assis


Mas é verdade verdadeira mesmo, o alfinete de cabeça grande é quem disse a coisa mais sábia neste conto. E podemos conferir isso fazendo uma viagem pelo mundo: um mosteiro franciscano no interior do Paraguai ou em um mosteiro budista em uma montanha do Tibet. O tempo a orar, duas ou três roupas simples e quase idênticas, refeições espartanas… E assim vai o dia, a semana e a vida. É uma fórmula muito antiga. E não é completa? Querer muito é querer sempre sempre mais e mais, oscilando e sufocando-se em frustrações quando não conseguimos e tédio quando conseguimos; querer menos é mais independência interior e também mais paz interior. Eis a resposta. E os “filhos das flores” (ou hippies) que ficam aqui na minha Rio Acima passando o fim de semana e feriados em uma das nossas inúmeras cachoeiras em barracas humildes, também não discordariam muito disso. Eis a resposta. Querer menos.


Mas querer menos até onde? Questão manhosa. Vou pedir ajuda a um dos textos mais profundos que encontrei na vida. É um decálogo escrito pelo professor e psicanalista Jurandir Freire Costa. Foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, mas em meu recorte eu não anotei a data. Presumo que deve ter sido em 2000 ou 2001, pois eu acho que era parte do suplemento “Mais!” dedicado à questão de como devíamos nos preparar para este nosso novo milênio. Em uma noite traiçoeira em que pensei muito em minha morte, o terceiro mandamento salvou-me a vida; mas aqui o que nos interessa é o sexto mandamento:

6. Só desejarás a justa medida das riquezas: primeiro, o necessário; segundo, o suficiente (Sêneca).”

Vou tentar lembrar-me disso muito muito até que torne-se hábito. Gostaria que a agulha também lembra-se disso e não sentisse inveja do novelo de linha.


“— Deixe-me, senhora.

Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

Mas você é orgulhosa.

Decerto que sou.

Mas por quê?

Lembro-me de ouvir, pelo rádio, um comercial do Banco Itaú a respeito de uma fórmula de economia: o ideal era chegar aos 30 anos com um ano de salário acumulado naquela parte da poupança que a gente só mexe em último caso. Isso foi há muitos anos atrás e agora com recessão e inflação em 2021, os números devem ter se alterado bastante. Lembro-me também, e acho que quem me lê também já deve ter ouvido falar pois é uma fórmula popular, de outra fórmula sobre economia: “A fórmula ABCD; A de alimento, B de básico, C de contornável e D de desnecessário”. O meu desejo de comprar os livros da Marilene Felinto e do Karl Popper, o mais cedo possível, estão dentro da letra A.

domingo, 7 de março de 2021

Cantiga de Esponsais, 1884

 

Cantiga de Esponsais (Histórias Sem Data, 1884)


Eu finalmente a escutei. Finalmente porque enquanto vocês perguntam ao Pai dos Burros, eu confesso que também fiquei curioso diante deste título exótico. Esponsais, esponsais, esponsais, esponsais… Quando montei esta antologia de contos consagrados de Machado de Assis (com ajuda das antologias organizadas por Deomira Stefani, M. Cavalcanti Proença, Ivan Cavalcanti Proença, Eugênio Gomes e a majestosa antologia da Editora Nova FronteiraSeus 30 Melhores Contos” publicada em 1987), este título atraía muito o meu olhar. Mas eu tinha que respeitar a ordem cronológica dos contos, pois queria crescer e amadurecer leitor juntinho com o Machado escritor.


A história do Mestre Romão é triste e eu não sei o que fazer a respeito.

Primeira coisa, toda racional, é tentar compreender os motivos deste fim triste. Se possível com distância fria e alguma ironia. Esta última ajuda muito quando tentamos enganar a tristeza. Assim, que tal o paralelo Mestre Romão e esposa; e Maxfield Parrish e a sua amante Susan Lewin? A hipótese de que sem o feminino a inspirar, o artista perde um dos motivos para tornar-se divino e também criar. Os leitores podem fazer careta dizendo que isso é “romantismo de século XIX”; bom bom pode ser, mas esta ideia ainda é popular entre as pessoas que gostam de arte.

Outra coisa que podemos fazer para decifrar/interpretar/consolar-nos não é alegre e isso talvez inspire mais respeito aí na leitora e no leitor do outro lado do monitor. Podemos misturar o conto de Machado de AssisCantiga de Esponsais” e o filme “Nunca te Amei” (“The Browning Version”, Greta Scacchi, 1994, Albert Finney, Matthew Modine, Mike Figgis, Terence Rattigan, Ronald Harwood e etc.). Nossa, como gostei e como achei bonito ver a figura do Andrew Crocker-Harris no final do filme ali no pátio da universidade! Coisa mais linda do mundo! Não penso na profissão de meus pais (que também foram professores) ou nas minhas frustrações amorosas (vou poupar os leitores ao não contar essas minhas histórias) em uma análise psicológica neste meu gosto pela figura de Andrew nas cenas finais do filme. Aqui não justifico e explico, apenas descrevo. A roupa preta-academia, a velhice-erudição, o silêncio-força, a tristeza interior invisível sinônimo de dignidade indestrutível

Mas …. Andrew foi infeliz em seu casamento longo demais e Mestre Romão foi feliz no casamento breve demais. Sim, eu sei; mas o alvo do desejo para mim aqui é a missão, a vocação, é o trabalho. E a humildade e dignidade que a acompanhariam e servir-lhe-iam de proteção. É isso que me interessou.


“— Isto não é nada; é preciso não pensar em músicas...

Em músicas! justamente esta palavra do médico deu ao mestre um pensamento. Logo que ficou só, com o escravo, abriu a gaveta onde guardava desde 1779 o canto esponsalício começado. Releu essas notas arrancadas a custo, e não concluídas. E então teve uma idéia singular: — rematar a obra agora, fosse como fosse; qualquer coisa servia, uma vez que deixasse um pouco de alma na terra.

Mestre romão teve um destino triste. Mestre romão amou uma vez há muitos anos, trabalhando foi chamado de “mestre” e no final achou sim achou sim a nota “lá”. A última mistura para não ser vencido pelo final triste de “Cantiga de Esponsais”, de Machado de Assis; a conclusão de “O Mito de Sísifo”, do Betinho Camus. Eu preciso imaginar o Mestre Romão feliz. Eu preciso. Sei que aqui não faço literatura, é apenas convites e testemunhos em um blog desconhecido em um cantinho desconhecido da internet. É pouco, mas continuo. Não. É pouco e continuo.

sábado, 6 de março de 2021

A Igreja do Diabo, 1884

 

A Igreja do Diabo (Histórias Sem Data, 1884), de Machado de Assis


É a eterna contradição humana.”

Não, não, eu nego. Não pode ser este o final do conto; a lição de que nós humanos somos eternamente desobedientes e eternamente gananciosos. É claro que isso é verdade, mas é uma verdade tão verdade e a tanto tempo que eu fico com tédio. Eu quero mais sentidos, Machado, eu quero que o seu conto “A Igreja do Diabome conte mais coisa!


O Diabo. Deus, anjos, virtudes; tudo que a mãe e a escola manda a gente fazer, pelo menos na memória, e na ponta da língua, é coisa familiar demais. Então o Diabo é um alvo forte de curiosidade. Talvez também o seja por outro motivo. Mas aqui agora não é uma boa ocasião para nos examinar...


O Diabo é principalmente pobre e superficial. Curioso porque ele pode nos dar muito ouro, prazer, mansões em Brasília por meio de pagamentos exóticos e na pior hora política possível. Mas o Diabo é pobre e superficial por quê? Vamos construir pontes aqui para iluminar a paisagem.


Começamos com um filme estadunidense que fez mais sucesso no Brasil do que no próprio Estados Unidos (*). No filme “O Advogado do Diabo(“The Devil's Advocate”, Charlize Theron, Andrew Neiderman, Jonathan Lemkin, Tony Gilroy, Taylor Hackford, Keanu Reeves, Al Pacino, 1997 e etc), o Diabo tem um plano: fazer o Kevin Lomax ter um filho com alguma das diabas. O Diabo tenta fazer este plano, a gravidez programada, o tempo todo. Entendem? A gravidez e conquistar o mundo; a gravidez e conquistar o mundo; a gravidez e conquistar o mundo O Diabo não mandaria o Lomax sacrificar um amigo no alto de um monte em uma super cerimônia e tal e na última hora mudar de ideia porque o importante era saber se o coração de Lomax era sincero e puro ou não. O Diabo é pobre e superficial no projeto particular e no projeto amplo. Um bom exemplo para aprendermos a não ser fanáticos e intolerantes; um bom exemplo para aprendermos a ser compreensivos e abertos ao mundo.

Na crônica “Entre o Martelo… Não não, antes, mais um detalhe do filme O Advogado do Diabo(“The Devil's Advocate”, Charlize Theron, Andrew Neiderman, Jonathan Lemkin, Tony Gilroy, Taylor Hackford, Keanu Reeves, Al Pacino, 1997 e etc). Eu gostei do filme, mas não concordei com a transformação do repórter no final (preferiria que fosse apenas aquele tique na expressão e colocava logo os créditos finais e um choque para a plateia). O papel ambíguo do feminino ou simplesmente a lição de que os seres femininos são mais influenciadas e compreendem mais naturalmente a ordem do Cosmos. A decisão de Kevin Lomax de aceitar o trabalho em Nova Iorque é dele, só dele, - lição básica de livre arbítrio -, mas a Mary Ann Lomaxaqueeeela forcinha para que Kevin tome a decisão que ela deseja. Ao mesmo tempo… Ao mesmo tempo… Ao mesmo tempo Mary percebe primeiro que há algo errado naquele emprego tão espetacular e avisa inutilmente Kevin. Assisti ao filme há muitos anos, mas acho que Mary avisa umas quatro vezes o Kevin antes da crise.


O Retorno e Terno – Crônicas” foi o primeiro livro do Rubem Alves que eu li. Imediatamente Rubem tornou-se um dos meus autores amados. Top 10. Na crônica “Entre o Martelo e a Bigorna” aprendemos que o Diabo é o testador do humano na fábrica e não um tentador moralista cruel. Mas mesmo aqui há fanatismo, há pobreza: ele serve para testar e pronto, só faz isso. Independe do resultado, ele continua. Não se importa. Deus perdoa, o Diabo só quer saber de bater o cartão na fábrica e pronto. Só um reles funcionário. Para sempre.


No conto “A Igreja do Diabo” o Diabo nem deve ter aprendido no final sobre virtudes e pecados, sobre franjas que não são feitas do mesmo material do vestido. Não, não. Ele não aprendeu o que Deus lhe ensinou no final. Porque ele é, como ele mesmo disse no início do conto, “o espírito que nega”. Só nega. Só faz isso. Ele é pobre e superficial.


A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem?”

Eu gostei da “Igreja do Diabo”. O Machado de Assis foi bem metafísico e isso me fez viajar bastante, ao mesmo tempo eu achei, por exemplo, Deus bastante verossímil. Eu acho que se Deus existisse ele poderia ser daquele jeito mesmo.


* É uma reportagem antiga da revista “Veja”, na seção de cultura. Acho que a guardei, mas não a tenho em mãos agora. Era sobre uma fórmula que prometia com alguma exatidão prever se um filme faria ou não sucesso. Naturalmente que mesmo uma fórmula humilde sofreria muito neste misterioso mundo das artes; e uma das exceções mostradas na reportagem era justamente o filme “O Advogado do Diabo”. Na época de seu lançamento, fez mais sucesso no Brasil do que nos Estados Unidos. Hoje, 2021, não sei se mudou muito. No portal IMDB (https://www.imdb.com/title/tt0118971/?ref_=ttfc_fc_tt), a nota está em 7,5 de 10. É bastante. O filme é bom mesmo, mas eu não perdoo aquela metamorfose do repórter no final.

- Tudo bem, Aldrin. Mas se você tivesse um Al Pacino no elenco…

- Tem razão, Taylor.

Resistir às tentações é mesmo difícil.


sexta-feira, 5 de março de 2021

5 de maio de 2021 e 2010 e o futuro


 Franklin e uma amiga. Franklin é artesão e o mundo dos gnomos pode ser conhecido por nós graças às suas mãos habilidosas. A família de Franklin é conhecida da minha; e o encontro aconteceu na grande Feira de Artesanato do ExpoMinas de 2010. Belo Horizonte, 2010.

Desculpem a minha ausência, sei que a principal regra dos blogs é a atualização diária; mas é difícil. Regularidade para mim é difícil. Mas pelo menos montei uma sequência de leituras que acredito que vai ser interessante para mim e vocês.