sábado, 6 de agosto de 2022

Contra o Poder, Lúcio

 

Mas não foi só pelos aspectos pessoais que a morte de Paulo me abalou. Tive consciência imediata de que aquele crime não podia ficar impune. Havia uma escalada de violência na Amazônia, como em outros lugares do Brasil, em função dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Os proprietários de terras temiam especialmente a possibilidade de desapropriação de imóveis produtivos (o que acabou não acontecendo: pelo contrário, o capítulo constitucional da reforma agrária significou uma atraso em relação ao Estatuto da Terra, de novembro de 1964).

Por isso desandaram a desmatar para criar “benfeitoria”, nessa forma esquizofrênica de criar algo de menor valor no lugar do recurso natural mais valioso da Amazônia: a sua floresta. Assim, para que a presença do homem se confirme, o valor vigente é o da “terra nua”, o VTN do Incra. Daí o recorde de desmatamento em 1987 (80 mil quilômetros quadrados de mata nativa, segundo o polêmico relatório do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de São José dos Campos, SP), como nunca houve (tanto) antes – nem depois. E a violência sem disfarces, que fulminou Paulo Fonteles e continuaria sua escalada a partir daí.”



Repórteres do jornal Sunday Times, de Londres, publicaram um livro pouco citado sobre Watergate (mas melhor, como esforço de compreensão, do que a bem documentada série da dupla Woodward-Bernstein, presa ao estilo minudente e historicista do jornalismo americano), mostraram como a imprensa, geralmente funcionando conforme decisões muito verticalizadas, pode ser impulsionadas por seus jornalistas quando eles compreendem sua função.

A função que justifica uma imprensa livre está na sua capacidade de procurar e revelar. Por vezes ela revela assuntos que seria melhor o público desconhecer, mas, se ela cessa de ter essa função, passa a existir o risco de ela não ser mais que um instrumento de propaganda”, observam os jornalistas ingleses. A propósito da polêmica que então se travava nos EUA, completam: “A questão central do debate sobre a imprensa não estava na luta entre “conservadorismo” e “liberalismo”, mas no conflito entre aqueles têm a capacidade de encontrar e de apresentar a tediosa complexidade do fato real”.

A “tediosa complexidade do fato real” a que os repórteres do Sunday Times se referem, com britânica ironia, é a bússola do jornalismo. Às vezes até gostaríamos que a realidade fosse mais esquemática e rígida, um pouco mais inclinada a favorecer pessoas ou grupos simpáticos a nós, ou que pelo menos não envolvesse tantas complicações, mas essa complexidade obriga um jornal a ziguezaguear, colidindo ora com a onda, ora com um banco de areia ou uma rocha.”


CONTRA O PODER 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica – Lúcio Flávio Pinto.


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