sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Zen-budismo 3 de 10

 

Zen-budismo 3 de 10

 

Me perdi fácil fácil na filosofia do trem, mas também porque é fácil e sedutor mesmo. Ocorre que me esqueci de escrever algo sociológico e histórico.

A árvore budista tem dois galhos que se destacaram ao longo da história. Um galho apareceu na Tailândia, Mianmar, Malásia; no sudoeste asiático. Esta tradição se chama Hunayana ou Theravada. Ela é legal, mas não nos interessa por enquanto. A que nos interessa nasceu nos grandes países asiáticos, como a China, Coréia e Japão. É o galho Mahayana. Esta tradição sim, nos interessa agora. Temos até o nome do seu criador, o monge budista hindu Bodhidarma.

Pausa.

Um monge budista... hindu.

Decerto que a verdade não conhece esta frescura humana chamada de fronteira, mas... (risos). Bom, eu pessoalmente adorei. Adoro as histórias budistas e sou apaixonado também pela Rede de Indra, ensinamento do hinduísmo. Sou brasileiro, afinal. Antropologia e ecumenismo sempre, bebê!

Agora vamos sair da sala da sociologia e história e vamos voltar para as paisagens filosóficas.

 

Depois da temporalidade, chegamos a outro ensinamento budista barra pesada. Violenta mesmo. Derrubar a barraca e mandar o balde viajar.

Você é este seu corte antiquado de cabelo? Não. Você é esta sobrancelha? Não. Você é o seu bumbum? Não. Você é o seu belo umbigo? Não. Você é este sapato maaaaaaravilhoso? Não. Você é a história traumática da sua infância? Não. Você é esta tatuagem de I Ching nas costas? Não. Você é seu cérebro? Não. Você é seu olho? Não. Você é dente siso? Não. Você é os seus sonhos? Não. Você é sua unha? Não? Você é a sua cueca? Não. Você é o seu curso de computador do SENAC? Não. Você é o seu coração cativo? Não.

Então o que é você? Um monte de pedaços que estão apodrecendo cada vez mais a cada instante? Estes pedaços mais alguma coisa misteriosa? É o som de seu nome? A gente sabe o que o senso comum define como indivíduo. Quando a gente se apaixona, quando o nosso dedo do pé encontra o pé da poltrona, quando desejamos aprender a dirigir, quando recebemos a notícia que o Maxwell vai ter mesmo que fazer uma cirurgia perigosa, quando ficamos com vergonha por ter feito algo feio... Mas o senso comum está errado quando acredita na existência do indivíduo.

 

Uau! Trem poderoso. Soco no estômago para tirar todo o nosso fôlego. A consequência mais imediata é o desprendimento. Na pobreza e na riqueza, na saúde e na doença, a gente sabe que não passa de uma gota no oceano. Imagem popular que agora você sabe ser verdadeira.

 

Ensinamento budista poderoso. Tem primos no Ocidente. O epicurismo e sua opinião a respeito de sermos átomos, afinal. Os pedaços de madeira velha do Navio de Teseu. E mais modernamente, o filósofo escocês David Hume e seu conceito de “eu”. Ou melhor, a sua falta de conceito de “eu”. Mas família é trem complicado, a gente sabe. Tem parte da família que vai discordar e essa parte não é fraca. Immanuel Kant e o livre-arbítrio e o dever moral. E o próprio cristianismo e o seu livre-arbítrio. Egocêntrico, mimado, preguiçoso, infantil e medroso; essa questão se existe um eu me é particularmente sensível.

 

 

 

Livremente inspirado em “Segunda Parte Introdução às Teorias Orientais da Personalidade” e capítulo 10 “Zen-Budismo”. Do livro Teorias da Personalidade, de James Fadiman e Robert Frager (Traduções de Camila Pedral Sampaio e Sybil Safdié; com a coordenação de Odette de Godoy Pinheiro, 1979, São Paulo, Editora: Harbra Editora Harper & Row do Brasil Ltda).

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