Zen-budismo 3 de 10
Me perdi fácil fácil na
filosofia do trem, mas também porque é fácil e sedutor mesmo. Ocorre que me
esqueci de escrever algo sociológico e histórico.
A árvore budista tem dois
galhos que se destacaram ao longo da história. Um galho apareceu na Tailândia,
Mianmar, Malásia; no sudoeste asiático. Esta tradição se chama Hunayana ou
Theravada. Ela é legal, mas não nos interessa por enquanto. A que nos interessa
nasceu nos grandes países asiáticos, como a China, Coréia e Japão. É o galho
Mahayana. Esta tradição sim, nos interessa agora. Temos até o nome do seu
criador, o monge budista hindu Bodhidarma.
Pausa.
Um monge budista... hindu.
Decerto que a verdade não
conhece esta frescura humana chamada de fronteira, mas... (risos). Bom, eu pessoalmente
adorei. Adoro as histórias budistas e sou apaixonado também pela Rede de Indra, ensinamento do hinduísmo.
Sou brasileiro, afinal. Antropologia e ecumenismo sempre, bebê!
Agora vamos sair da sala da
sociologia e história e vamos voltar para as paisagens filosóficas.
Depois da temporalidade,
chegamos a outro ensinamento budista barra pesada. Violenta mesmo. Derrubar a
barraca e mandar o balde viajar.
Você é este seu corte
antiquado de cabelo? Não. Você é esta sobrancelha? Não. Você é o seu bumbum?
Não. Você é o seu belo umbigo? Não. Você é este sapato maaaaaaravilhoso? Não.
Você é a história traumática da sua infância? Não. Você é esta tatuagem de I
Ching nas costas? Não. Você é seu cérebro? Não. Você é seu olho? Não. Você é
dente siso? Não. Você é os seus sonhos? Não. Você é sua unha? Não? Você é a sua
cueca? Não. Você é o seu curso de computador do SENAC? Não. Você é o seu
coração cativo? Não.
Então o que é você? Um monte
de pedaços que estão apodrecendo cada vez mais a cada instante? Estes pedaços mais alguma coisa misteriosa? É o som de
seu nome? A gente sabe o que o senso comum define como indivíduo. Quando a
gente se apaixona, quando o nosso dedo do pé encontra o pé da poltrona, quando
desejamos aprender a dirigir, quando recebemos a notícia que o Maxwell vai ter
mesmo que fazer uma cirurgia perigosa, quando ficamos com vergonha por ter
feito algo feio... Mas o senso comum está errado quando acredita na existência
do indivíduo.
Uau! Trem poderoso. Soco no
estômago para tirar todo o nosso fôlego. A consequência mais imediata é o
desprendimento. Na pobreza e na riqueza, na saúde e na doença, a gente sabe que
não passa de uma gota no oceano. Imagem popular que agora você sabe ser
verdadeira.
Ensinamento budista
poderoso. Tem primos no Ocidente. O epicurismo e sua opinião a respeito de
sermos átomos, afinal. Os pedaços de madeira velha do Navio de Teseu. E mais modernamente, o filósofo escocês David Hume e seu conceito de “eu”. Ou
melhor, a sua falta de conceito de “eu”. Mas família é trem complicado, a gente
sabe. Tem parte da família que vai discordar e essa parte não é fraca. Immanuel Kant e o livre-arbítrio e o
dever moral. E o próprio cristianismo e o seu livre-arbítrio. Egocêntrico,
mimado, preguiçoso, infantil e medroso; essa questão se existe um eu me é
particularmente sensível.
Livremente inspirado em “Segunda
Parte Introdução às Teorias Orientais da Personalidade” e capítulo 10 “Zen-Budismo”. Do livro Teorias da Personalidade, de James
Fadiman e Robert Frager (Traduções de Camila Pedral Sampaio e
Sybil Safdié; com a coordenação de Odette de Godoy Pinheiro,
1979, São Paulo, Editora: Harbra Editora Harper & Row do Brasil Ltda).
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