sexta-feira, 12 de março de 2021

A Causa Secreta, 1896

 

A Causa Secreta” (Várias Histórias, 1896)


Um preâmbulo.

"Entre eles, o da agressividade que se dirige para fora, que depois viria a se chamar "sadismo", e o daquela que se volta para dentro, agora denominada “masoquismo”. (Na mesma época em que Nietzsche escrevia, um outro precursor de Freud, Machado de Assis, publicou o conto “A causa secreta”, talvez o melhor estudo sobre o sadismo que há na literatura mundial.)".

[Professor Paulo César de Souza no posfácio para a sua tradução escrupulosa de Genealogia da Moral – Uma Polêmica”, de Friedrich Nietzsche (Editora Companhia das Letras, 2008, São Paulo, São Paulo). Ainda não li este livro do meu Frederico, o Profeta Bigodudo. Mas assim como alguns dos outros livros de Nietzsche da Editora Companhia das Letras eu li os posfácios do professor Paulo, além de saborear algumas de suas notas de fim de capítulo. Adoro notas de rodapé e notas de fim de capítulo.]

Na antologia que montei de contos do Machado de Assis que eu leria e aqui faria comentários, fiz questão de colocar “A Causa Secreta” justamente por causa do trecho acima. Valeu a pena? Ah…


Antes de mais nada o óbvio: levanta a mão aí do outro lado do monitor quem não acreditou que o Fortunato não sabia da doença da Maria Luísa? Pedindo ajuda à sabedoria de psicólogos e psicanalistas: como Fortunato podia ser tão trabalhador e abnegado ao mesmo tempo que? E o Garcia? Quem acredita que ele era tão inocente e passivo a respeito de todo o drama que acontecia?


Sadismo. Hum… Antes da chegada da dominatrix, das cordas, botas pontiagudas, cremes quentes, e algemas e gemidos que não importa mais se são de prazer ou dor; vamos começar formalmente: pedindo ajuda ao dicionário: sentir prazer ao causar dor ao parceiro, sentir prazer diante do sofrimento do outro. Hum… Hum… Mas já? Já vão abandonar meu blog para lerem vocês mesmos a “Causa Secreta”? Mas já? Danadinhos, danadinhos… Fiquem só mais um pouco, por favor! Prometo que eu vou ser breve. Prometo que vai ser gostoso. Vai doer e vai ser gostoso.


E nojento também. Ah, a natureza humana, a natureza humana… Porque na cultura pop eu detectei algumas causas secretas.

Por quê o personagem óleo negro infectante era tão popular na série “Arquivo-X” (The X-Files, Gilliam Anderson, David Duchovny, Chris Carter, 1993-2018 e etc.)? Óleo negro infectante entrando pelos olhos, ouvidos, nariz, entrando pela boca… E todo mundo assistindo, sem desgrudar os olhos da televisão...

Qual é o segredo da popularidade do FaceHugger, da série de filmes “Alien”?

Qual é a cena mais famosa do filme “[REC]” (“[REC]”, Manuela Velasco, 2007, Jaume Balagueró, Paco Plaza, Luiso Berdejo e etc.)? Essa mesma: a do beijo com o verme. Agora: por quê? E no filme “[REC] 4 Apocalipse” (“[REC] 4 Apocalipsis, Manuela Velasco, 2014, Jaume Balagueró, Manu Díaz, etc.) também temos um outro beijo com verme. Por quê? Por quê?

No filme “Alien vs. Predador 2” (“Aliens vs Predator – Requiem”, Victoria Bidewell, 2007, Colin Strause, Greg Strause, Shane Salerno, Dan O'Bannon, Ronald Shusett, Jim Thomas, John Thomas e etc.), qual é a cena mais popular? Até eu tenho vergonha de dizer qual é, mas dei uma pista ao escrever os créditos. Por quê é assim?

E no filme “A Morte do Demônio” (“Evil Dead”, Jane Levy, 2013, Fede Alvarez, Rodo Sayagues, Sam Raimi e etc.), qual é a cena mais famosa? Haja tomate e liquidificador! Imagino a coitada da atriz que ficava do lado debaixo durante os ensaios para a cena.

Daniel Defoe e o seu livro “Um Diário do Ano da Peste” (1722). Há ali o trecho sobre o beijo da morte. Não é o trecho mais inesquecível do livro? Por quê?

Ah, claro. Sem mencionar como as pessoas viram zumbis nos filmes de zumbis. Sem mencionar também os parasitas nos videogames. E já que falamos em “beijo da morte”, o que não falta em alguns videogames são beijos mortais, beijos que retiram a força vital dos personagens. E os vampiros! Como posso ter esquecido dos vampiros nesta lista aqui? É sadismo ou poder? Sadismo é política sem terno e gravata, assim como dizem que “a guerra é o capitalismo sem luvas”?


Verdade é que Fortunato não curou de mais nada, nem então, nem depois. Aberta a casa, foi ele o próprio administrador e chefe de enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo, compras e caldos, drogas e contas. Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da Rua D. Manoel não era um caso fortuito, mas assentava na própria natureza deste homem. Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não recuava diante de nada, não conhecia moléstia aflitiva ou repelente, e estava sempre pronto para tudo, a qualquer hora do dia ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia. Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os cáusticos.

Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele.

Acho bom esclarecer que eu não gosto e não assisto a filmes de terror, deixei de assistir à série “Arquivo-X” (The X-Files, Gilliam Anderson, David Duchovny, Chris Carter, 1993-2018 e etc.) muitos anos antes do personagem óleo negro infectante aparecer e eu nunca em minha vida fui íntimo de videogames. E não fiz uma pesquisa específica para este texto. Onde então eu consegui os exemplos citados? É suficiente para você dizer que eu gosto do site YouTube? É verdade e como diz a sabedoria popular: quem se explica demais se complica. Eu gosto do YouTube e pronto e ficamos por aqui. A culpa, portanto, Freud e Sade, é do algoritimo do YouTube. Ah, os algoritmos de internet...


Vai estragar o clima do final do texto, mas não importa. É um dos meus filmes favoritos, top 10 de todos os tempos e merece este meu sacrifício. Aliás, sinto prazer em fazer este sacrifício… Mencionei que é estranho que Fortunato seja um médico tão dedicado e corajoso apesar de… Bom, no filme “O Cubo” (“Cube”, Nicole de Boer, 1997, Vincenzo Natali, André Bijelic, Graeme Manson e etc.), temos uma personagem que também é médica (se não me falha a memória). O paralelo ocorreu-me porque a personagem Holloway, ao mesmo tempo que é solidária na profissão, tem obsessão pelas suas joias e é o que ela mais lamenta ter perdido no início do filme. Dessa cena eu lembro bem. Achei curioso que uma mulher que faz serviço “tão social” ao mesmo tempo ser tão vaidosa e materialista. É fácil demais a avaliação de que Holloway e Fortunato são personagens contraditórios. É pensar que os dois não são contraditórios é que faz o diagnóstico ficar mais interessante. E mais gostoso também.


Pronto; agora podem ir ler “A Causa Secreta”, mais um conto perfeito do Machado de Assis. Não se preocupem com o trecho sobre o rato. Vocês não vão ter pesadelos com o trecho sobre o rato. Eu juro. Confiem em mim.

Um comentário:

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